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Agro brasileiro não quer Javier Milei eleito na Argentina

A Farsul, abertamento identificada com pautas liberais no Brasil, prefere a vitória do peronista Sergio Massa

A elite da pecuária argentina desfila nas pistas da feira de Palermo, que ocorre desde 1875 (Foto: Mauricio Tonetto / Secom RS)

A possibilidade de retirada das “retenciones” sobre as exportações argentinas é o principal ponto de alerta ao agronegócio gaúcho e brasileiro. Propagada pelo candidato ultraliberal Javier Milei à presidência do país vizinho, a medida representaria a interrupção de uma política surgida ainda no século 19 e adotada desde a segunda metade da década de 1940, taxando duramente as exportações do setor. E destravaria o potencial competitivo dos hermanos, concordam especialistas ouvidos pelo Jornal do Comércio.

Em meio a mais uma forte crise econômica, potencializada pela estiagem sobre as lavouras nos últimos anos e importantes quebras de safra, a Argentina busca medidas para aumentar a entrada de moeda estrangeira, conter a desvalorização do peso e dar algum respiro às contas públicas. A inflação beira a casa dos 140% ao ano.

O agro é um dos principais segmentos econômicos do país. Assim, o governo local anunciou no final de agosto a eliminação de impostos sobre a exportação de produtos agrícolas com valor agregado, como vinho, arroz e tabaco. Antes, em abril, entrou em vigor o dólar soja, medida que dá aos exportadores da principal commodity agrícola uma taxa de câmbio melhor do que a oficial controlada, com o objetivo de estimular exportações e reabastecer as reservas esgotadas.

Não por acaso, em atenção aos interesses gaúchos e nacionais, a Federação da Agricultura e Pecuária do Rio Grande do Sul (Farsul), abertamente identificada com pautas liberais no Brasil, prefere a vitória do peronista Sergio Massa, atual ministro da Economia.

“Massa representa um grupo político que tem criado uma série de embaraços ao agro argentino. Um agro gigante, que gera uma concorrência enorme e, enquanto enfrentar uma corrida com uma bola presa ao pé, para nós é melhor”, avalia o economista-chefe da entidade, Antônio da Luz.

A avaliação é de que Javier Milei significa o rompimento desses embaraços, o que, conforme os analistas, devolverá ao agronegócio argentino um crescimento de médio e longo prazo. “O setor sofre toda sorte de ataques por parte do estado argentino. O país não cresce no agronegócio por políticas que Massa espera que se mantenham e que Milei já disse que vai cortar”, diz Luz, ressaltando que seu olhar sobre o tema é pontualmente “egoísta”.

O entendimento sobre o cenário no país vizinho é compartilhado pelo analista da Safras & Mercado Luiz Fernando Roque. Para ele, em caso de triunfo de Sergio Massa, sua gestão será da “continuidade das políticas que estão dando muito errado há muito tempo por lá”. No caso do agronegócio, principalmente as retenciones elevadas atrasam o setor, que ainda é forte, mas muito menos do que poderia ser.

Já uma possível chegada de Javier Milei à Casa Rosada apontaria para uma tendência de mudanças profundas. O analista da Safras explica que, no atual sistema de retenciones, para exportar soja, milho ou trigo, por exemplo, o produtor argentino está deixando mais de 30% na mão do governo.

O fim da tributação traria a Argentina de volta a um protagonismo do qual o país já desfrutou. “Eles são fortes em vários produtos agropecuários, top 5, top 10 em vários deles. No caso da soja, por exemplo, são o terceiro maior produtor do mundo. Eram o maior exportador de farelo e agora perdeu o posto porque teve quebra de safra. Mas a retirada das retenciones vai fortalecer as exportações. E claro que isso pode tirar um pouco de exportação brasileira”.

Roque calcula que parte do mercado internacional irá mesmo buscar os produtos do agro argentino em caso do corte dos impostos, o que desestimula o produtor local. ”A Argentina ficando mais forte no agro no mercado internacional, isso pode não beneficiar o Brasil. O que tem acontecido por lá nos últimos anos é o governo metendo a mão e bagunçando esse mercado. Então, se a Argentina voltar, a gente pode talvez vê-los exportando mais grãos, mais farelos e óleos, exportando mais milho. E como eles são nossos vizinhos, naturalmente o principal impacto é nas exportações brasileiras. Pode ser que o nosso ritmo de aumento de exportações dos últimos anos diminua”.

Para se ter uma ideia desse potencial, a Argentina exportou 1,742 milhão de toneladas de trigo de janeiro a julho deste ano, conforme o ministério da agricultura do país. E o Brasil foi o principal comprador, absorvendo 79% desse volume. Os vizinhos também são o terceiro maior produtor de soja do mundo, atrás do Brasil e dos Estados Unidos, e deve colher 48 milhões de toneladas na safra 2023-2024, em estimativa de setembro do Departamento de Agricultura americano (USDA). O país é o maior exportador mundial de soja processada e terceiro no ranking global de embarques de milho.

Em relação à carne bovina, a Argentina é o quinto maior exportador mundial de carne bovina e tem uma forte tradição na produção dessa proteína animal. O país possui vastas áreas de pastagens naturais e utiliza métodos de criação extensiva, resultando em animais criados de forma sustentável. Não à toa, a Exposição Rural Argentina, também conhecida como feira de Palermo, é a mostra agropecuária mais antiga e uma das mais tradicionais, da América do Sul, ocorrendo anualmente desde 1875.

Outro aspecto a favorecer o agro vizinho, afirma Roque, é a estrutura logística relativamente boa, diz o analista. Parte significativa da produção local está próxima do chamado complexo UP River, pelo rio Paraná, para exportação até o rio da Prata. E o forte setor industrial, principalmente na soja, pode ser fortalecido também.

Prós e contras de Massa e Milei sob a ótica brasileira

Levantamento de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) aponta uma retração nas exportações aproximadamente 15% nos últimos 10 anos. Isso totaliza aproximadamente US$ 15,3 bilhões, ante US$ 18 bilhões registrados em 2012. A Argentina, que chegou a representar 10% de todas as exportações brasileiras no período de um ano, em 2022 respondeu por apenas 4,6%.

Por isso, Fabio Ciocca, presidente da Câmara Empresarial Argentino-Brasileira do Rio Grande do Sul, analisa as perspectivas quanto ao futuro das relações comerciais entre o Brasil e a Argentina em um campo de incertezas. O dirigente vê o candidato Sergio Massa, atual ministro da Economia, com uma postura protecionista nas relações com o governo brasileiro. Ele cita, entre outras medidas, a adoção de barreiras não tarifárias, como a exigência de licenças de importação, que acabaram impactando negativamente sobre as exportações brasileiras para aquele destino.

“Há um pessimismo para essa eleição do Massa, porque se ele mantiver as políticas atuais, considerando ser ele o atual ministro da Economia, refletiria direto todos os setores, inclusive no agronegócio.
O atual governo tem taxado as exportações argentinas e vem retraindo muito o crescimento do agro por essas políticas intervencionistas. O dirigente avalia que a Argentina, embora concorrente nesse segmento, poderia também se tornar um potencial destino para agronegócio brasileiro.

“Nós somos muito maiores que eles. E somos um potencial exportador, um país que exporta muito o seu agronegócio. Eles, como um país que consome muito, poderiam ser um destino importante. Muito embora se eles fizerem qualquer ajuste, poderiam ser um grande concorrente do Brasil”.

Por outro lado, a eleição de Javier Milei retiraria todas as taxações, com uma política menos invasiva, o que seria determinante para aumentar a competitividade dos Hermanos e facilitar o ingresso de produtos brasileiros, não somente do agronegócio, avalia Ciocca.

Mas ele também vê complicadores. “Javier Milei tem enfatizado essas questões de abertura de mercado. O grande problema é o discurso de saída do Mercosul, ruptura das relações comerciais com o Brasil, com a China. Que não vai fazer negócio com esses países, que ele diz que tem um governo comunista. Isso gera um certo desconforto, uma certa inquietude e uma certa dúvida”.

De acordo com o economista Joal de Azambuja Rosa, porém, uma vitória de Javier Milei na corrida à Casa Rosada seria muito ruim para a Argentina, o Brasil e o Rio Grande do Sul. “Ele ameaça acabar com o Mercosul e outros absurdos, como fechar o Banco Central de seu país. A parceria Argentina e Brasil é reciprocamente importante para aprofundar as relações internacionais, em especial com a Europa e a Ásia.”

Para Azambuja, ex-presidente da extinta Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul, atualmente sócio da empresa de consultoria América Estudos e Projetos Internacionais, um ponto central na disputa presidencial argentina é que com Sergio Massa, um provável aprofundamento da crise ficaria mais circunscrito àquele país. Segundo Azambuja, com Javier Milei o problema irá além fronteiras.

“Seria muito ruim para o Brasil. Na atualidade, está havendo um movimento de fechamento de economias, como defesa da crise. Saídas para crises, ao contrário, precisam de mais abertura econômica e de políticos com visões abrangentes de desenvolvimento, e não de aberrações”, conclui o economista.

Fonte: Jornal do Comércio