Vídeo de abordagem que chocou transeuntes neste sábado (17) foi divulgado nas redes sociais
Após a determinação do governador, a Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul divulgou nota, às 22h48 de sábado informando sobre a abertura da sindicâncias e as investigações da Polícia Civil.
“A Polícia Civil registrou dois boletins de ocorrência – um por lesão corporal e outro por abuso de autoridade – e investigará os casos por meio de novos depoimentos de testemunhas e análise das imagens”, diz trecho da nota.
Racismo perverte as instituições, diz Silvio Almeida
Após o ocorrido, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida afirmou neste domingo (18) em seu perfil oficial no X/Twitter que o episódio retrata como o racismo “perverte” as instituições no país e anunciou que irá, junto com a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, entrar em contato com as autoridades gaúchas e ajudar na construção de políticas de combate ao racismo.
ENTENDA O CASO
Homem negro é ferido com faca, chama PMs e acaba detido
Uma discussão num bairro de classe média alta em Porto Alegre viralizou nas redes neste sábado (17) porque um homem agredido com faca chamou a polícia e acabou detido. Ele é o motoboy Everton Henrique Goandete da Silva, 40 anos, que é negro e foi atingido levemente, com a arma branca, por um homem branco, grisalho, com quem teve uma discussão. Nas redes sociais há clamor para que o episódio seja investigado por racismo.
Chamados para intervir, policiais do 9º Batalhão de Polícia Militar detiveram em flagrante Everton por desacato à autoridade, porque consideraram que ele estava agressivo. O homem que portava a faca também foi detido em flagrante.
Após serem levados para o plantão de uma delegacia da Polícia Civil, ambos acabaram liberados, para responder pelos delitos em liberdade. A Brigada Militar abriu sindicância para apurar o caso.
A discussão aconteceu próximo ao meio-dia na rua Miguel Tostes, bairro Rio Branco.
Conforme moradores ouvidos pela reportagem, o homem branco grisalho que aparece nas imagens reside no local e costuma reclamar da aglomeração de motoboys, no outro lado da calçada do seu prédio. O nome dele não foi divulgado pelas autoridades.
Em determinado momento começou uma discussão entre ele e o motoboy Everton. Foi quando o homem grisalho, que estava sem camisa, sacou de uma faca e deu um pontaço no pescoço do motociclista, que sofreu um corte superficial. Colegas do motoboy saíram em ajuda dele e moradores chamaram a BM.
Uma das pessoas que registraram a abordagem com um celular é Leandro da Silva Magalhães, também motoboy. O vídeo mostra que, em determinado momento, Everton reclamou da situação. Um soldado da BM pediu para ele não gritar, interpretou a reação do motociclista como desacato e o prendeu, junto a outros dois policiais, enquanto o homem grisalho não era abordado. Everton foi algemado pelos PMs e levado para um camburão.
Os PMs também interpelaram o agressor grisalho. Subiram até o apartamento dele, onde vestiu uma camisa e se entregou, sendo levado pelos policiais em outra viatura.
— Para nossa surpresa, os policiais prenderam o motoboy e só depois foram atrás do agressor. Só porque o motociclista estava um pouco nervoso. Ou será porque ele é negro? Já o homem branco teve oportunidade de se livrar da faca no seu apartamento — reclama uma das testemunhas da ação policial, a psicóloga Marina Medeiros Pombo. Ela é integrante do Conselho Estadual dos Direitos Humanos e vai propor investigação por racismo, relativa aos policiais.
O motoboy e seu agressor foram algemados e conduzidos até a 2ª Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (da Polícia Civil). Ambos ficaram em celas separadas, fizeram exame de corpo de delito (para constatar ferimentos), prestaram depoimento e foram liberados. Policiais civis que atenderam ao caso e que preferem não se identificar classificaram a ocorrência como “vias de fato” (briga), enquanto os PMs querem acrescentar a isso o “desacato à autoridade”. Os dois delitos são de menor potencial ofensivo e não são passíveis de prisão.
A reportagem tentou falar com o homem que agrediu o motoboy, mas ele ainda prestava depoimento. Aos policiais, ele disse que levou um chute do motociclista.
Os policiais envolvidos na dupla prisão não quiseram dar seus nomes. Um sargento que estava com a guarnição interpreta o caso como uma sucessão de equívocos, cometidos por gente que estava nervosa.
Ele ressalta que os PMs levaram os dois para evitar um linchamento do homem que tinha agredido o outro com uma faca. O policial também diz que a arma não foi apreendida porque estava dentro do apartamento do agressor e eles não tinham mandado judicial, mas salienta que há imagens que mostram o homem grisalho com a arma na mão, que podem resultar em prova do fato.
Os policiais civis não quiseram comentar oficialmente o episódio.
“Ele tentou me matar”, garante o motoboy
Ao sair da delegacia onde ficou detido por uma hora, o motoboy Everton Henrique Goandete da Silva falou com a reportagem de GZH. Ele disse que a confusão começou quando um grupo de motociclistas estava sentado num banco na Rua Miguel Tostes, esperando chamadas.
— Aí chegou um senhor que mora na rua, que reclamou. Ele não gosta desse volume de motoboys concentrado na frente do prédio. E tentou me matar. Ele me esfaqueou. Chamamos a polícia e o brigadiano foi ignorante…eu também fui um pouco exaltado. Aí acabei preso, mas já fui solto.
Nas redes sociais o episódio foi caracterizado por muitos internautas como racismo. Um dos que criticaram foi o deputado estadual Matheus Gomes (PSOL), que chamou a detenção do motoboy de revoltante. “É um absurdo, mas ainda é o racismo que impera na BM”.
O Comando da BM abriu sindicância para investigar o episódio. Nas redes sociais, o governador Eduardo Leite se manifestou: “Sobre a prisão de um homem negro que seria vítima de tentativa de homicídio em POA, determinamos via Corregedoria da Brigada Militar a abertura de sindicância para ouvir imediatamente testemunhas e apurar as circunstâncias da ocorrência, com a mais absoluta celeridade. Renovo minha absoluta confiança na Brigada Militar e nos homens e mulheres que compõem nossas forças de segurança. Inclusive, em respeito aos dedicados profissionais que as integram, é que a apuração da conduta será célere e rigorosa.”
*Fonte: Brasil de Fato RS e GZH