Os ministros Silvio Almeida e Anielle Franco devem entrar em contato com as autoridades gaúchas por conta do caso
Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, anunciou na manhã deste domingo (18) que o governo federal vai acompanhar o caso do entregador negro detido pela Brigada Militar na tarde de domingo (17), no bairro Rio Branco, em Porto Alegre. Everton Goandete da Silva estava com colegas próximo à esquina da rua Miguel Tostes com a avenida Protásio Alves, onde se concentram trabalhadores que entregam refeições para bares e restaurantes da região, quando foi atacado por um homem com uma faca, que o feriu próximo ao pescoço. Chamada ao local, a BM deteve a vítima com truculência e conduziu cordialmente o agressor, como mostram inúmeras imagens que circulam pelas redes sociais desde o episódio.
“O caso do trabalhador negro, no Rio Grande do Sul, que tendo sido vítima de agressão acabou sendo tratado como criminoso pelos policiais que atenderam a ocorrência, demostra, mais uma vez, a forma como o racismo perverte as instituições e, por consequência, seus agentes”, afirma Silvio Almeida em uma postagem no Twitter.
O ministro destaca ainda a importância de medidas consistentes no campo da formação: “É preciso que as instituições passem a analisar de forma crítica o seu modo de funcionamento e aceitar que em uma sociedade em que o racismo é estrutural, medidas consistentes e constantes no campo da formação e das práticas de governança antirracista devem ser adotadas. Em outras palavras, é preciso aceitar críticas e passar a adotar medidas sérias de combate ao racismo em nível institucional”.
Por fim, Silvio Almeida diz que conversou com a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, e que entrarão em contato com as autoridades gaúchas para acompanhar o caso e ajudar na construção de políticas de maior alcance. O governo de Eduardo Leite (PSDB) determinou que a Corregedoria da Brigada Militar abra uma sindicância para apurar as circunstâncias da abordagem policial. Em postagem nas redes sociais, Leite manifestou “absoluta confiança” nos homens e mulheres da BM.
Racismo
Uma pesquisa sobre policiamento ostensivo e relações raciais, realizada nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Distrito Federal e divulgada em 2020, aponta que o corte de cabelo, o estilo da roupa, o modo de andar, o jeito de olhar e a relação entre corpo e território são algumas características apontadas por oficiais da Brigada Militar (BM) para definir pessoas suspeitas e que são abordadas no trabalho rotineiro de patrulhamento da cidade de Porto Alegre.
O estudo foi feito a partir da análise de dados quantitativos de prisões em flagrante e letalidade policial por cor ou raça, e entrevistas com policiais militares sobre o tema polícia e racismo, com o intuito de entender o que policiais brancos e negros pensam sobre o assunto.
“No Rio Grande do Sul a gente não tem acesso aos dados quantitativos, não existe a padronização desses dados, não se tem como analisar por raça. É um empecilho muito forte para discutir a possibilidade de racismo na atuação da polícia”, explica Luiza Correa de Magalhães Dutra, mestra em Ciências Criminais e integrante do Grupo de Pesquisa em Políticas Públicas de Segurança e Administração da Justiça Penal da PUC-RS. A falta de dados quantitativos, ela avalia, é um indício de que o tema não é considerado importante dentro da BM.
Sem os dados quantitativos, a pesquisa focou nas entrevistas. E a primeira constatação da conversa com os oficiais foi perceber a negação veemente de que haja racismo na atuação da Brigada. Os policiais afirmaram não haver qualquer formação ou orientação dentro da instituição para que eles atuem influenciados pela raça das pessoas durante as abordagens.
Porém, quando a pesquisadora questionava as características da pessoa considerada “suspeita”, a situação mudava. A questão da territorialidade então aparece, com a ideia de que algumas pessoas “pertencem” ou não a determinados locais ou bairros, fator que pode levantar suspeita. Como exemplo, um jovem negro caminhando num bairro de classe alta, onde “não é esperado” que ele more, e então esse jovem vai ser parado pela polícia.
“Pessoas ‘pertencentes’ a um local e não há outro têm a tendência de serem abordadas. As vestimentas, como camisa de time, bermuda, boné na cabeça, são de uma pessoa que seria abordada, é uma construção feita. A partir disso, eles (os policiais) começaram a demonstrar que pessoas negras possuem atitudes entendidas para eles como suspeitas. Então, ao mesmo tempo em que eles negam (o racismo), no decorrer da entrevista eles trazem tudo, ao ponto de me olharem e ficarem como quem diz: ‘bom, na verdade, sim’”, explica Luiza.
Assim como seus colegas de outros estados, a pesquisadora diz que os oficiais da Brigada definem as atitudes suspeitas a partir de características corporais, vestimentas e gestos. “São atitudes impessoais que eles procuram, mas que acabam sendo tipos físicos estigmatizados por um corpo e por características culturais forjadas pelo racismo na nossa sociedade. Ao fim e ao cabo, eles têm um modo de agir racista ou racializado”, afirma. Ao perceberem a contradição, Luiza conta que os policias mantinham a convicção de que a BM não é racista, mas, “se for”, é porque a sociedade brasileira é racista.
*Fonte: Sul21