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Glossário propõe olhar crítico e sensível a partir do pensamento brasileiro

Iniciativa é resultado de um processo de pesquisa e concepção desenvolvido ao longo de mais de um ano pela equipe do projeto

Decolonialidade, contracolonialidade, descolonização. Pretoguês, escrevivência, oralitude. Esses e outros termos aparecem de modo cada vez mais frequente em reflexões de artistas, mestres da cultura e pesquisadores brasileiros interessados em elaborar e expressar ideias a partir de perspectivas não hegemônicas. Para ecoar e facilitar a compreensão desses conceitos, o Nonada Jornalismo lançou o Glossário de Termos do Pensamento Contracolonial Brasileiro.

A iniciativa é resultado de um processo de pesquisa e concepção desenvolvido ao longo de mais de um ano pela equipe do projeto. Disponível para download gratuito, a publicação apresenta 22 termos, começando por “sopapo”, tambor de origem africana produzido por negros escravizados na região das Charqueadas a partir do século 19, imortalizado na cultura afro-gaúcha por mestres como Boto, Bucha, Cacaio e Giba Giba e presente nas produções de artistas como Nina Fola e Richard Serraria.

Subvertendo a organização por ordem alfabética, o projeto aborda os conceitos em linguagem acessível e valoriza contribuições de intelectuais brasileiros como Abdias do Nascimento, Aílton Krenak, Lélia González e Sueli Carneiro. “São ideias que consideramos relevantes para navegar criticamente no mundo de hoje através de um pensamento brasileiro, afro-diaspórico e decolonial”, define Anna Ortega, coordenadora editorial do glossário.

“Os termos vão na contramão de uma definição. São complexos e ativam saberes que não são apenas da academia, mas também das culturas populares, das tradições indígenas, dos mestres e mestras da cultura. A ideia não é entender tudo, mas ser um ponto de partida, com uma seleção de termos que dialogam entre si e contam uma história”, completa a jornalista.

Entre outros conceitos, ela destaca a originalidade do verbete “quebranto colonial”, utilizado pelo escritor e educador Luiz Rufino para abordar a colonialidade que se expressa nos corpos – e as possibilidades de combatê-la por meio de diferentes abordagens, da capoeira à educação, com movimentos, ações e batalhas. “O corpo não pode ser apartado, estar distante do conhecimento. Ele também é o conhecimento”, reflete Ortega, ressaltando a proposta do glossário de uma apreensão dos termos que, para além da interpretação racional, se dá também pelos sentidos.

O Glossário… é um desdobramento da Rede Veredas, iniciativa do Nonada que reúne artistas e educadores com visões centradas no Sul Global e que dedicam atenção a interseccionalidades diversas, incluindo questões de gênero, raciais e geográficas.

“A Rede Veredas surgiu como uma plataforma de visibilidade para artistas que trabalham com o viés decolonial e também como grupo de estudos e trocas relativas ao conceito de decolonialidade e termos adjacentes. O glossário foi um desdobramento desse projeto, na medida em que sentimos a necessidade de um documento que ajudasse a explicar termos muito utilizados pelo setor cultural e da educação em trabalhos sobre decolonialidade e contracolonialidade”, observa Thaís Seganfredo, coordenadora geral da publicação e diretora de jornalismo e projetos do Nonada – que começou em 2010 como coletivo jornalístico, em Porto Alegre, e hoje é uma associação cultural sem fins lucrativos nas áreas de jornalismo e cultura.

“Acredito que a democratização do entendimento de conceitos cunhados por intelectuais pode ser uma poderosa ferramenta para gerar conhecimento. E nas vozes de profissionais da cultura e da educação, o conhecimento tem um potencial bastante grande de transformação social”, afirma Seganfredo, destacando o objetivo do Nonada de pautar políticas públicas de cultura.

O professor do Departamento de Sociologia da UFRGS José Carlos Gomes dos Anjos – em entrevista sobre as raízes afro-indígenas do termo “decolonialidade” publicada no glossário – ressalta que “o que está em jogo não é substituir uma palavra por outra, mas a possibilidade de rearticulações políticas entre a produção acadêmica e as lutas concretas feitas fora da academia. […] As lutas concretas dos movimentos sociais, dos oprimidos, de todos os processos de opressão vão produzindo uma trama de possibilidades de pensar”.

Essa trama se traduz em “encruzilhada” no último verbete do glossário, com uma reflexão inspirada pelo orixá Exu: “É através de suas encruzilhadas que podemos assimilar a pluralidade de caminhos existentes, em oposição ao caminho único proposto pelo saber colonial ainda vigente no Brasil, que tudo polariza e segrega”.

O conteúdo do glossário pode ser replicado, impresso e distribuído livremente, desde que citada a autoria. Para 2025, a equipe do Nonada estuda possíveis parcerias para viabilizar uma versão impressa do glossário e a utilização do material em escolas, além de uma nova edição com outros termos do pensamento contracolonial brasileiro.

Fonte: Ricardo Romanoff / Matinal Jornalismo