A atividade integrou a programação do 20º Encontro Estadual das Crianças Sem Terrinha, que iniciou nesta quinta (9)

Garantir o direito à educação e a dignidade das crianças que vivem em áreas rurais foi o tema central da audiência pública promovida pela Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembleia Legislativa nesta quinta-feira (9). A atividade integrou a programação do 20º Encontro Estadual das Crianças Sem Terrinha, com o lema “Defender a natureza é defender o nosso chão”, parte da Jornada Nacional das Crianças Sem Terrinha. Durante o encontro, as crianças também visitaram a exposição fotográfica Encontros das Crianças Sem Terrinha, realizada no Parlamento gaúcho.
Estradas precárias e falta de transporte dificultam acesso à escola
A audiência no Salão Júlio de Castilhos foi proposta pelo presidente da comissão, deputado Adão Pretto Filho (PT), que anunciou a realização de reuniões em Brasília com o presidente do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). O parlamentar pretende buscar parcerias com municípios para melhorar a infraestrutura das estradas que ligam os assentamentos às escolas e centros urbanos. “Precisamos garantir direitos básicos, como o de ir e vir e o acesso à educação”, afirmou. Pretto também informou que solicitará audiência com a Secretaria Estadual da Educação, ausente no encontro, e enviará ofícios a prefeituras com áreas de assentamento pedindo providências urgentes.
As discussões tiveram como base dois dossiês apresentados pelo Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que detalham as dificuldades enfrentadas pelas escolas do campo. Os documentos destacam problemas estruturais, falta de transporte escolar e os impactos das estradas precárias na rotina das comunidades.
Coordenadora do setor, Clarisse Teles ressaltou que as deficiências da educação no campo são históricas e continuam sem solução. Segundo ela, muitas escolas funcionam em condições inadequadas e não dispõem de transporte regular. “São situações que se arrastam há décadas. As comunidades rurais seguem mobilizadas para garantir que o Estado cumpra seu papel”, declarou.
A professora Cleide Almeida, de Santana do Livramento, relatou que ainda há escolas instaladas em antigas sedes de fazendas, sem banheiros adequados ou espaços apropriados para o ensino. “Se chove, o transporte não chega; se o tempo está úmido, o barro impede o deslocamento. Faltam condições básicas para as crianças estudarem”, afirmou.
Falta de investimento agrava desigualdades na educação do campo
Ex-secretária estadual de Educação, Lúcia Camini lembrou que, durante o governo de Olívio Dutra, o Estado assegurou o funcionamento das escolas itinerantes do MST, garantindo o acesso de crianças acampadas à educação formal. “Educação é direito de todos e dever do Estado. É preciso garantir financiamento para oferecer ensino de qualidade no campo e na cidade”, defendeu.
O diretor do Centro dos Professores do RS (Cpers/Sindicato), Guilherme Bourscheid, criticou a ausência de representantes do governo estadual e o não cumprimento do investimento mínimo de 25% na área da educação. “Sem recursos, não há como manter escolas estruturadas, transporte adequado e professores valorizados”, apontou. Ele citou o exemplo de Hulha Negra, onde escolas ainda enfrentam falta de água potável.
As próprias crianças também compartilharam relatos sobre a realidade nos assentamentos. Valentina, de 11 anos, de Tupanciretã, contou que as estradas de acesso ao acampamento ficam intransitáveis durante as chuvas. Maia e Evelin, de Santana do Livramento, relataram que, quando chove forte, precisam sair às pressas para não ficarem isoladas. Mesmo com garoa, o barro dificulta a locomoção, e a escola onde estudam é pequena para o número de alunos.
João Vitor, de Nova Santa Rita, destacou que a escola do assentamento possibilita várias atividades educativas, mas enfrenta problemas estruturais. “Tem um banheiro quebrado há mais de dez anos e a fiação elétrica é antiga, oferecendo risco”, contou. Já Cecília fez uma reclamação direta: “Prometeram que iam nos dar uniformes, mas nunca chegam”, disse.
O debate encerrou reafirmando a importância da educação no campo como parte essencial da Reforma Agrária e do desenvolvimento rural. Os participantes defenderam que o Estado garanta transporte, infraestrutura e condições adequadas para que todas as crianças assentadas possam estudar com segurança e qualidade.
Após a audiência, as crianças seguiram para o assentamento em Nova Santa Rita para a abertura oficial do encontro, com animação e mística de boas-vindas, além de oficinas. O evento tem um viés internacional com a roda de apresentação: “Quem somos nós, Crianças de luta do mundo todo!”, quando foi feito um ato de solidariedade às crianças palestinas. A noite será dedicada a um jantar e à Mostra das Escolas.
O segundo dia, 10 de outubro, será dedicado ao estudo temático e às atividades artístico-pedagógicas. Após a Mística e o Circuito de brincadeiras, será realizado um Estudo Temático com foco em agroecologia, preservação ambiental e o plano nacional Plantar Árvore e Produzir Alimentação Saudável. Como ato simbólico do tema, está previsto o plantio de uma oliveira.
A tarde do dia 10 contará com uma apresentação teatral. O encontro será encerrado oficialmente com a síntese das atividades e a leitura da “Carta das Crianças Sem Terrinha do RS”, seguida de um lanche coletivo e o retorno das delegações.
Fonte: Brasil de Fato RS