Historiador Douglas Belchior indica obras que ajudam a entender os impactos do modelo que pôs fim à escravidão mercantil
Redação Brasil de Fato | São Paulo (SP) | 13 de Maio de 2022 às 15:05
Movimentos mostram que abolição da escravatura não incluiu população negra na sociedade. – Charge: Latuff
Data em que foi assinada a Lei Áurea, o 13 de Maio na prática omitiu durante muito tempo o protagonismo da luta e da resistência negra contra a escravidão. O fim do regime não permitiu condições de inserção social tampouco contemplou reparações históricas para este segmento da população, configurando uma situação de abolição inconclusa até hoje. "O 13 de Maio foi ressignificado pelo movimento negro e tomou um caráter de dia nacional de denúncia do racismo. Uma data que até a década de 70 era tida como momento festivo de libertação, inclusive de comemoração e agradecimento à princesa Isabel pela assinatura da Lei Áurea", aponta o historiador Douglas Belchior, coordenador da Uneafro Brasil e integrante da Coalizão Negra por Direitos.
Para estimular a reflexão e os impactos deste processo inacabado na consolidação do racismo estrutural do país, Douglas listou sete livros que ajudam a compreender o contexto à época e a realidade da população negra desde então. "Há diversas produções teóricas que tratam do evento da abolição e do papel dos abolicionistas e como foram importantes naquele momento. Mas há também leituras mais macro que colocam em um contexto mais geral aquele momento específico do final do século 19, o que significava o fim da escravidão mercantil e seus efeitos na economia e na própria formação da sociedade brasileira naquele momento.
" Dois grandes sociólogos negros escrevem sobre a abolição em um momento mais amplo, avaliando as consequências do modelo de superação da escravidão mercantil escolhido pelas elites brasileiras. Clóvis Moura tem duas obras que tratam tanto do contexto e do processo que teve a abolição como consequência quanto do que decorre dela em Rebeliões da Senzala e Sociologia do Negro Brasileiro. Alberto Guerreiro Ramos, também sociólogo, trabalha essas questões ligadas ao processo da escravidão, à abolição e ao modelo adotado no livro O problema do Negro na Sociologia Brasileira*. Em alguma medida, o nosso grande e querido amigo Matheus Gato, teórico mais jovem dessa safra atual, trabalha no seu livro O Massacre dos Libertos: Sobre raça e República no Brasil (1888-1889), focando os anos da abolição e quando é proclamada a república, uma leitura bastante interessante, conceituada e considerada.
Em uma sociedade escravagista como a nossa, um modelo novo que coloca fim a outro de sociedade organizada a partir do trabalho compulsório baseado na violência, e o substitui com trabalho livre e assalariado, há de ser comemorado e visto como algo melhor do que o vivido até ali. O Matheus afirma que a abolição foi festejada como uma conquista popular contra as injustiças sociais naquele momento, é importante colocar os olhos para o que significava a abolição, que enchia de esperanças a população negra no futuro. Depois isso não se confirma, não pela vontade da população negra ou por sua falta de esperança, mas pelo projeto genocida, etnocida e racista do Estado e das elites brasileiras. É uma obra que vale muito a pena ler. Há muitas obras sobre a abolição da escravidão, contos, histórias de personagens de época, romances, e queria deixar duas sugestões mais leves, mas ao mesmo tempo profundas.
Becos da Memória, de Conceição Evaristo, é muito importante para entender o racismo e aquele período a partir de 1888 através da história de Maria-Nova, uma menina muito melancólica e tristonha que presta atenção a tudo e a todos ao seu redor e então narra esse cotidiano. Muito bonito e muito forte. Outro livro que também vale muito e diz respeito às consequências de uma abolição inconclusa ou uma falsa abolição da escravidão é Quarto de Despejo, de Carolina Maria de Jesus, o diário de uma favelada em que ela, na sua narrativa, trabalha com a realidade dura, concreta e cruel de um povo que foi escravizado por 400 anos e que não foi alvo de política de reparação em nenhum momento da história brasileira."
Edição: Glauco Faria Brasil de Fato///