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IPHAN aprova registro das ‘lidas campeiras’ como patrimônio imaterial brasileiro

Estudo indica que o Pampa é muito mais diverso, em termos socioculturais e ambientais, do que a visão tradicional desenhou.

Foto: Guilherme Santos/Sul21

 

 

A pecuária familiar é uma das principais atividades econômicas dos moradores da região onde foi realizado o inventário. (Foto: Guilherme Santos/Sul21) A Câmara Setorial do Patrimônio Imaterial do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) aprovou o registro da Lida Campeira nos Campos de Bagé e do Alto Camaquã como Patrimônio Imaterial Brasileiro. O Inventário Nacional de Referências Culturais (INRC) – Lida Campeira nos Campos Dobrados do Alto Camaquã foi realizado por pesquisadores dos cursos de graduação e pós-graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), em parceria com o IPHAN, que cedeu a metodologia e financiou a primeira fase da pesquisa. Instrumento criado pelo IPHAN em 2000, o inventário é um instrumento que busca reconhecer saberes, lugares, formas de expressão e celebrações como patrimônio cultural imaterial. Realizado por uma equipe interdisciplinar, o Inventário Lidas Campeiras buscou identificar e valorizar os detentores dos saberes e fazeres e documentar essa lidas em uma área do Rio Grande do Sul, localizada na Serra do Sudeste. O trabalho pesquisou relações humanas, animais, objetos, ambientes, grupos de habitantes e outros aspectos que caracterizam essas lidas. O trabalho realizado pelos pesquisadores pode ser acessado no blog do Inventário Lida Campeira.

Esse trabalho está dividido em duas partes: o inventário da Lida Campeira na região de Bagé e o inventário na região do Alto Camaquã. O primeiro, realizado de 2010 a 2012, abrange o trabalho de campo realizado nos municípios de Arroio Grande, Pelotas, Bagé, Hulha Negra, Herval, Aceguá (Brasil), Acegua (Uruguai), Jaguarão e Piratini, investigando relações que envolveram os caminhos das tropas, que percorreram o território colonial e imperial, levando e trazendo bens culturais para a lida; a criação de gado nas propriedades rurais do pampa; o transporte destes animais da campanha de Bagé para o abate nas charqueadas de Pelotas. A partir de 2016, a equipe do INRC iniciou a extensão da metodologia do IPHAN para inventariar os manejos nos campos de pedras do Alto Camaquã, abrangendo os municípios de Bagé, Caçapava do Sul, Canguçu, Encruzilhada do Sul, Hulha Negra, Lavras do Sul, Piratini, Pinheiro Machado e Santana da Boa Vista.

Essa etapa nasceu a partir de uma solicitação da Associação para o Desenvolvimento Sustentável do Alto Camaquã (ADAC), uma rede de associações comunitárias, que envolve cerca de 500 famílias, distribuídas em 25 associações, com o objetivo de construir e fomentar projetos orientados para um desenvolvimento territorial sustentável. Ao longo deste processo, os pesquisadores da UFPel acompanharam atividades, em torno da lida pecuária, realizadas por proprietários de terras – de grandes extensões, médias ou propriedades familiares ou de uso comunitário, como no caso das Comunidades Quilombolas –, além dos peões campeiros, trabalhadores e trabalhadoras rurais no sul do Estado que desempenham ou desempenharam as atividades de doma, pastoreio, esquila, ofício do guasqueiro, tropeada, artesanato, lida caseira, entre outras, como carneada, cutelaria, agricultura de cercado e produção tradicional de erva-mate.

Um Pampa diferente da visão tradicional

Segundo a coordenadora do INRC Lida Campeira, professora Flávia Rieth, o trabalho interdisciplinar identificou uma Pampa com uma diversidade de ambientes e de práticas que configuram um modo de vida particular, que não é aquele que habita o imaginário de muitas pessoas em relação à população do Pampa. Essa diversidade aponta para um ambiente diferente da visão tradicional do gaúcho, mostrando, por exemplo, o papel das mulheres, das populações indígenas, quilombolas e práticas agrícolas para além da pecuária. O estudo indicou que o Pampa é muito mais diverso, em termos socioculturais e ambientais, do que se convencionou imaginar e o mundo das lidas campeiras apresenta uma grande inventividade cultural, constituindo-se como uma importante referência para a construção da memória e da identidade dessas comunidades. Ainda segundo Flávia Rieth, o levantamento mostra a existência de um Pampa pluriverso, habitado por diferentes animais, gentes, coisas e ambientes, uma região marcada pela diversidade sociocultural e ambiental. Isso é importante, destaca a pesquisadora, para pensar as presenças das mulheres na lida, a presença de populações tradicionais: uma pampa negra, indígena, com pecuaristas e agricultores familiar. “Este modo de vida produzido pela pecuária extensiva enfrenta dificuldades em relação à segurança alimentar e hídrica de gentes e bichos. A pampa também é água, necessidade de salvaguarda dos diferentes ambientes pampeanos: campos lisos, dobrados, de várzea”, assinala Flávia Rieth. Essas populações atuam como guardiãs dessa região considerada uma das mais preservadas do Bioma Pampa. Em 2017, moradores da região da bacia do rio Camaquã iniciaram uma grande mobilização para barrar o projeto Caçapava do Sul, do Grupo Votorantim Metais, que pretendia extrair chumbo, zinco e cobre em uma área localizada às margens do Camaquã. A mobilização contra esse projeto de mineração constituiu-se também como um movimento em defesa do modo de vida dessas comunidades e de um modelo de desenvolvimento sustentável para a região. Em novembro de 2021, a empresa Nexa Resources, controlada pela Votorantim, anunciou que estava desistindo do projeto.

Defesa de um modo de vida e de produção

Em outubro de 2017, uma equipe de reportagem do Sul21 acompanhou uma parte do trabalho etnográfico de pesquisadores da UFPEL, coordenados por Flávia Reith, na região do Alto Camaquã. A reportagem relatou a mobilização e luta da comunidade de Palmas, no interior de Bagé, para manter seu modo de vida e de produção, então ameaçados pelo projeto Caçapava do Sul. Uma das regiões mais preservadas do Rio Grande do Sul e a mais preservada do bioma Pampa, a região é habitada por comunidades tradicionais que tem um modelo de desenvolvimento baseado na pecuária familiar, na agricultura familiar, no artesanato de lã e na produção de doces coloniais, entre outras atividades. O território possui dois sítios considerados de alta relevância em termos de patrimônio geológico, que figuram na lista “Sítios Geológicos e Paleontológicos do Brasil” e fazem parte do patrimônio geológico brasileiro.

 

 

 

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