Reserva do Guarita Apesar de Mediação, conflito persiste e Jeferson pedirá nova ação do MPF
O deputado estadual Jeferson Fernandes (PT) irá acionar o Ministério Público Federal para incidir mais uma vez no conflito que ocorre na Reserva Indígena do Guarita, em Tenente Portela, em função de uma disputa eleitoral. O parlamentar viajou ao local, na manhã desta quinta-feira (31/03), juntamente com representantes da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos do Legislativo e da Defensoria Pública do Estado do RS, para fazer a mediação do conflito, que se dá porque, após eleito um novo cacique para a aldeia, o atual mandatário não aceitou o resultado e se nega a entregar o cargo. No entanto, mesmo com a presença do petista e de representantes do Judiciário, não foi possível solucionar o impasse.
“Nossa vinda à Reserva foi importante porque pudemos ouvir os relatos dos indígenas e familiares, que são vítimas de ocorrências violentas e vivem um clima de terror em função da disputa com o atual cacique. Também para aprendermos sobre o processo e respeitarmos a dignidade e autonomia dos Kaingangs”, contou o petista. O Secretário da Comissão Eleitoral do Conselho dos Povos Indígenas – Cepi, José Robério Salles Ribeiro ressaltou que a Declaração Universal dos Direitos Indígenas dispõe sobre a autonomia desses povos. Ele lembrou que a primeira eleição na Reserva ocorreu no ano 2000, de forma democrática, pelo voto. E que, em 2008, houve um plebiscito que garantiu ao cacique permanecer por 13 anos no comando da Reserva. Segundo Ribeiro, somente em 2017, o cacique Carlinhos Alfaiate foi eleito para uma gestão de 4 anos, que deveria encerrar-se com a eleição do cacique Joel, em 2021, com sessenta por cento dos votos.
“Mas logo iniciaram-se os impasses: escolas foram fechadas pelo cacique Carlinhos; cestas básicas deixaram de ser entregues”, detalhou. Ele contou ainda que a comunidade entende que a violência contra as mulheres precisa ser eliminada, mas que é necessária uma parceria com órgãos públicos para coibir este problema e dar visibilidade. Sobre isso, a professora Regina Goites Emílio relatou ocorrências de violência física contra mulheres da Reserva e destacou que a comunidade precisa de “comida, remédios, saúde, educação”. “No dia 19 de dezembro, a comunidade votou pela mudança, por estar insatisfeita com a condução da liderança do cacique Carlinhos”, confidenciou.
Ela disse temer pela própria vida se o cacique vencedor não for empossado. Carlinhos Alfaiate, o atual cacique, disse que a organização da Reserva do Guarita deve ser respeitada, que problemas existem em todas as instituições e que, como cacique, tem responsabilidade por duas mil famílias. Ele sustenta que possui documentação do Ministério Público Federal que atestaria o vencimento de seu mandato para o dia 22 de dezembro de 2022 e que age em conformidade com esta determinaçõ. “Luto pela vida e preservação da comunidade e respeito as autoridades. A violência vem dos dois grupos”, defendeu-se. Ele lembrou que o cacique eleito em 2021 está preso e que hoje a liderança é reivindicada pelo vice. E narrou que a saúde no local foi desmontada, que não há combustível e que a educação presencial foi retomada, mas que ainda há muito absenteísmo. O presidente do Conselho Estadual dos Direitos Humanos, Júlio Alt disse que uma das questões principais no impasse é que a Constituição Federal estabelece como princípio o respeito ao modo de vida indígena.
“O CEEDH emitiu uma recomendação para a instituição de uma Câmara Técnica Interinstitucional para resolução dos conflitos das terras indígenas da região Norte do RS”, acrescentou. Dona Brasília, indígena da Reserva, disse que o ex-cacique Carlinhos tinha capitães que não permitiam a presença das mulheres na direção. Ela entende que teria que ter havido um plebiscito da comunidade garantido os cinco anos de mandato ao cacique Carlinhos, o que não ocorreu. “Deve haver respeito à vontade da comunidade, que já escolheu sua nova liderança, o cacique Joel”, assinalou. Isaías da Rosa, Kaingang do Cepi, narrou desentendimentos que aconteceram entre as partes em 2019, quando houve o consenso de que o Conselho deveria conduzir o processo. Ele lembrou que os conselheiros entenderam que deveriam respeitar o voto do povo indígena. “Acompanho o Guarita e sei o que acontece ali dentro.
Foi difícil trabalhar com a questão indígena no mandato do cacique Carlinhos. E a eleição de 2021 foi legítima”, defendeu. Robélio Ribeiro, da Comissão Eleitoral do Cepi, reforçou que houve acordo entre as partes em Três Passos, onde se escolheu o Cepi para mediar a situação e quando foi iniciado o processo eleitoral. “Esse processo teve a anuência do Cacique Carlinhos e por isso a eleição foi legítima e deve ser aceita”, corroborou. Neste sentido, o promotor de Justiça do Ministério Público Estadual, Dr. Miguel Germano Podanoshe disse que há uma parte expressiva da comunidade que não concorda com a continuidade do mandato do Cacique Carlinhos. “Na democracia, temos que respeitar o poder da comunidade em escolher seus representantes. O Ministério Público Federal, em 17 de março de 2022 – reconheceu as eleições de dezembro de 2021, bem como o Cepi reconhece essa sucessão. Sugiro que se encaminhe a transição”, decretou.
Ciente do não acordo entre as partes, o deputado Jeferson entrará em contato novamente com o MPF para que interceda em favor do cumprimento da decisão já manifestada às lideranças da reserva. “Vamos conversar mais uma vez com o Ministério Público no sentido de buscar uma nova inserção respeitosa para a comunidade, mas observando que ninguém tem o direito de forçar uma decisão porque é uma questão cultural dos indígenas”, concluiu. Também participaram da reunião, Marina Dernan – Ouvidora da Ouvidoria da Defensoria Pública do Estado do RS; Vander Wawrzonkiewicz; Cacique Isaías – CEPI; Cacique Luiz Salvador – CEPI; Noeli Falcade – COMIN; Dr. Andrey Melo – defensor da Defensoria Pública do Estado; Júlio Alt – Conselho estadual dos Direitos Humanos; Promotor Miguel Podanoshe – Ministério Público Estadual; Sylvia Severo – Assessora do Deputado Estadual Jeferson Fernandes; Major Diego Gonzales Munari – Brigada Militar; Delegado de Polícia Vilmar Alaídes Schaefer; entre outros.