A empreitada federal só não foi adiante porque o governo enviou um ofício à Codevasf, deixando claro que a estrada é estadual e já havia um contrato vigente.
Senador Fernando Bezerra (MDB-PE) (Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil)
Fazia anos que o povoado de Lagoa do Barro, em Araripina, sertão de Pernambuco, aguardava o asfaltamento dos 7,5 km de estrada de terra que dá acesso à rodovia mais próxima. De uma tacada só, em outubro de 2020, dois contratos foram fechados: um do governo estadual, outro da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do Parnaíba e São Francisco (Codevasf). A empresa contratada para as obras era a mesma, a Uniterra, só que a estatal federal, sob controle de parlamentares do Centrão, pagaria pelo serviço 354% a mais: R$ 7,3 milhões, ante R$ 2 milhões. No caso da Codevasf, os recursos sairiam do orçamento secreto por indicação do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que era o líder do governo Bolsonaro no Senado à época e só deixou o posto neste mês. A empreitada federal só não foi adiante porque o governo de Pernambuco enviou um ofício à Codevasf deixando claro que a estrada é estadual e já havia um contrato vigente. Ou seja: não havia motivo para licitar a mesma obra duas vezes. Em nenhum momento a secretaria estadual responsável havia sido informada pela Codevasf sobre a intervenção na estrada vicinal. O superintendente da estatal federal em Pernambuco é Aurivalter Cordeiro, homem de confiança de Bezerra Coelho, de quem já foi funcionário no Senado e no Executivo. Quem avisou o governo estadual foi o dono da construtora Uniterra, o empresário Romão Alves, que venceu as duas licitações. Notificada pelo governo, a Codevasf suspendeu a ordem de serviço que havia sido assinada e cancelou o contrato. No entanto, já havia desembolsado R$ 95 mil pela contratação de uma empresa de engenharia, a EPTCI Projetos e Georreferenciamento, para desenvolver os estudos que subsidiaram a licitação. O dinheiro foi gasto em vão, pois a empresa não tinha permissão para atuar no local. Os R$ 95 mil desperdiçados foram bancados com emenda do deputado Fernando Filho (DEM-PE), filho de Bezerra.
Recursos
As obras, em si, no montante de R$ 7,3 milhões, seriam custeadas com verbas indicadas pelo senador, com recursos de emenda de relator-geral, a base do orçamento secreto, mecanismo revelado em maio pelo Estadão, pelo qual o governo de Jair Bolsonaro repassou bilhões a um grupo de parlamentares em troca de apoio no Congresso. Apenas em 2020, Bezerra Coelho, sozinho, encaminhou à Codevasf ao menos R$ 150 milhões – o valor pode ter sido maior, pois parte dos repasses tem autoria desconhecida. A maior fatia da verba tinha como destino Petrolina, município onde seu outro filho, Miguel Coelho (MDB), é prefeito. De acordo com a licitação aberta pela estatal federal, o lucro estimado com a obra em Araripina era de 6%. Assim, o contrato com a Uniterra geraria R$ 437 mil para a empresa. Considerando o mesmo porcentual, a contratação pelo Estado deve render à empresa R$ 123 mil em lucro – quase R$ 294 mil a menos.
Estatal
A Codevasf afirmou que o preço maior se deu "em razão de os contratos apresentarem soluções diferentes". Segundo a estatal, a pavimentação que propôs era em concreto betuminoso usinado a quente (CBUQ), ao passo que a pavimentação proposta pelo governo pernambucano é de tratamento superficial simples (TSS). "O serviço previsto pela Codevasf contemplava (i) obras de arte completas, (ii) guard rail, (iii) área de fuga, (iv) alça de acesso à BR-316, com bifurcação da rodovia no local, (v) drenagem completa etc", disse a empresa. A Codevasf alegou ainda que considerava a estrada como municipal o que justificaria a intervenção para asfaltá-la. Segundo o governo pernambucano, as obras devem ser concluídas no primeiro semestre de 2022. "Seria importante que o órgão federal consultasse previamente o planejamento do governo de Pernambuco" diz, em nota. Procurados, o senador Bezerra Coelho e o deputado Fernando Filho não responderam. O empresário Romão Alves, da Uniterra, não quis se manifestar. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Agência Estado/dom total///