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Entenda o esquema criminoso de Fabrício Queiroz no gabinete de Flávio Bolsonaro que lavou R$ 2 milhões

Além de arrecadar o dinheiro dos salários dos servidores de Flávio Bolsonaro, Queiroz também indicava pessoas de sua própria confiança para cargos fantasmas no gabinete.

 

Fabrício Queiroz e Flávio Bolsonaro na inauguração da loja de chocolates: estabelecimento teria sido usado para lavar dinheiro (Reprodução)

 

 

Lavagem de dinheiro, rachadinha, funcionários fantasmas e loja de fachada. Tudo isso aconteceu no gabinete do então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro (sem partido). Segundo quebra de sigilo bancário obtida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, o ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz recebeu R$ 2.062.360 52 por meio de 483 depósitos feitos por assessores subordinados ou indicados pelo senador. Os valores foram transferidos por treze servidores do gabinete do parlamentar e constam no relatório da promotoria sobre a operação de buscas e apreensões conduzidas nessa quarta-feira, 18. As informações foram divulgadas pela revista Crusoé e confirmadas pelo Estadão. O relatório do MP aponta que chegou ao valor após analisar as movimentações financeiras de Queiroz após afastamento do sigilo bancário do ex-assessor parlamentar, decretada em abril deste ano e que atingiu, inclusive, o próprio senador Flávio Bolsonaro. Segundo a promotoria, a maior parte dos valores (69%) foi repassado por depósito bancário de dinheiro em espécie, mas também foram utilizados transferências e depósitos de cheques. Queiroz é apontado pelos promotores como o "arrecadador dos valores desviados da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro". Além dos depósitos, o Ministério Público afirma que o ex-assessor parlamentar "executou uma intensa rotina de saques em sua própria conta corrente", chegando ao total de R$ 2,9 milhões em espécie. "Essa predominância de transações em dinheiro vivo na conta corrente de Fabrício Queiroz não decorre de acidente, nem de mera coincidência. Pelo contrário, essa incomum rotina de depósitos em espécie seguidos de saques também em dinheiro na mesma conta decorre de uma opção deliberada do operador financeiro, com o propósito específico de tentar não deixar rastros no sistema financeiro acerta da origem e do destino dos recursos que transitaram pela conta de sua titularidade, os quais passaram então a circular por fora do sistema financeiro", aponta a promotoria. O Ministério Público alega ainda ter identificado outros R$ 900 mil em depósitos em espécie para a conta de Queiroz "cuja procedência não foi possível precisar pelo cruzamento de valores". A promotoria afirma ainda que ocorreram "centenas de saques nas contas bancárias de ex-assessores" de Flávio Bolsonaro que foram destinadas a operadores financeiros mediante entrega em mãos, sem passar pela conta de Queiroz.

Funcionários fantasmas

Além de arrecadar o dinheiro dos salários dos servidores de Flávio Bolsonaro, Queiroz também tinha a função de indicar familiares e pessoas de sua própria confiança para cargos no gabinete do então deputado estadual. Entre os indicados estavam a esposa de Queiroz, Márcia Oliveira de Aguiar, que atuava como cabeleireira mas tinha cargo no gabinete de Flávio Bolsonaro. Ela, no entanto, jamais retirou o crachá funcional para acessar as dependências da Alerj. A filha de Queiroz, Nathália Melo de Queiroz também foi nomeada para cargo na Assembleia mesmo cursando educação física na Universidade Castelo Branco, a 38,7 quilômetros da Alerj e mantinha emprego em outras três academias de ginástica. Assim como a mãe, Nathália também nunca pegou o seu crachá de funcionária de Flávio. A sua irmã, Evelyn Melo de Queiroz, foi nomeada enquanto exercia a profissão de manicure e pedicure. A família Queiroz integra o grupo de doze servidores que teria recebido cerca de R$ 6,1 milhões da Assembleia Legislativa do Rio e repassado ao menos R$ 1,8 milhões para a conta de Fabrício Queiroz e sacado cerca de R$ 2,9 milhões em espécie para entrega em mãos, aponta o MP. Ex-mulher de Jair é implicada Relatórios do Ministério Público do Rio mostram que parentes de Ana Cristina Valle, ex-mulher do presidente Jair Bolsonaro, sacavam em espécie quase todo o valor que recebiam de salário. Dez familiares dela foram empregados no antigo gabinete de Flávio na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) no período investigado pelo MP. O pai de Ana Cristina, José Candido Procópio da Silva Valle, sacou 99,7% da sua remuneração no período em que esteve lotado na Alerj, entre 2003 e 2004. Além dele, outros cinco parentes dela chegaram a sacar mais de 90% de seus rendimentos. Apesar de viverem em Resende, no Sul fluminense, esses familiares da segunda esposa de Bolsonaro foram nomeados para diversos cargos nos gabinetes da família durante o período em que os dois viveram em união estável, entre 1998 e 2008. Coincidentemente, a relação acabou no mesmo ano em que o Supremo Tribunal Federal (STF) produziu uma súmula sobre nepotismo, criminalizando a prática. Entre esses parentes acusados de serem funcionários fantasmas e de colaborarem com a prática de "rachadinha", estão ainda irmã, tias e primos de Ana Cristina.

Veja abaixo quanto os parentes de Ana Cristina receberam e sacaram em espécie na Alerj*:

Ana Maria de Siqueira Hudson Remuneração total: R$ 990,2 mil % sacado: 43,41%

Daniela de Siqueira Torres Remuneração total: R$ 818,8 mil % sacado: 96,74%

Andrea Siqueira Valle Remuneração total: R$ 674,9 mil % sacado: 98,32%

Francisco Siqueira Guimarães Diniz Remuneração total: R$ 672,3 mil % sacado: 88,48%

Fátima Regina Dias Resende Remuneração total: R$ 620,9 mil % sacado: 97,27%

Marina Siqueira Guimarães Diniz Remuneração total: R$ 359,5 mil % sacado: 98,64%

Juliana Siqueira Guimarães Vargas Remuneração total: R$ 322,5 mil % sacado: 79,81%

Maria José de Siqueira e Silva Remuneração total: R$ 288 mil % sacado: 91,16%

José Cândido Procópio da Silva Valle Remuneração total: R$ 86 mil % sacado: 99,72%

Guilherme Henrique dos Santos Hudson Remuneração total: R$ 20,8 mil % sacado: 74%

*Os valores brutos correspondem aos períodos específicos em que cada assessor trabalhou para Flávio

Núcleos

A promotoria dividiu a investigação contra Queiroz em quatro núcleos: o primeiro é voltado para as indicações e manutenção de assessores em cargos na Assembleia em troca de repasse de parte dos salários, prática conhecida como "rachadinha". O segundo núcleo seria composto por operadores financeiros responsável por recolher os recursos e garantir o cumprimento de carga de trabalho de funcionários fantasmas. É neste núcleo que se encontra Fabrício Queiroz. O terceiro núcleo era formado por pessoas que concordavam em serem nomeadas como servidores fantasmas ou como assessores com o compromisso de garantir o repasse mensal do salário que receberia pela função na Alerj. O quarto núcleo é voltado à empresa Bolsotini Chocolates e Café Ltda, de Flávio Bolsonaro e sua esposa, que tinha atribuição de "lavar parte dos recursos desviados da Alerj" por meio de depósitos e inseridos no patrimônio do então deputado estadual como lucros superestimados da atividade empresarial. "Os elementos de prova dos autos permitem vislumbrar a existência de uma organização criminosa com alto grau de permanência e estabilidade, formada desde o ano de 2007 por dezenas de servidores da Alerj destinada à prática de crimes de peculato através do desvio de verbas orçamentárias do Poder Legislativo, bem como de lavagem de dinheiro, com clara divisão de tarefas", afirma o MP.

Defesas

A reportagem entrou em contato com o gabinete do senador Flávio Bolsonaro e aguarda resposta e busca contato com a defesa de Fabrício Queiroz. O espaço está aberto a manifestações.

Loja de Flávio lavou dinheiro

O Ministério Público do Rio de Janeiro afirmou em relatório à Justiça que recursos desviados da Assembleia Legislativa do Estado (Alerj) podem ter sido lavados por meio de uma franquia da rede de chocolaterias Kopenhagen, adquirida pelo então deputado estadual Flávio Bolsonaro em 2014. Segundo a promotoria o filho do presidente Jair Bolsonaro e sua esposa, Fernanda, não tinham "lastro financeiro" para bancar a aquisição e operação da unidade. Com isso, a loja teria proporcionado retornos "absolutamente desproporcionais" ao casal. Flávio foi eleito senador pelo Rio de Janeiro no ano passado pelo PSL, mas está sem partido. A acusação consta em investigação sobre o possível uso do empresário Alexandre Ferreira Dias Santini, sócio de Flávio, como laranja para acobertar o uso de repasses da Alerj para a compra da loja, que fica no Shopping Via Parque, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. Ao todo, o custo para colocar o negócio em pé ficou em R$ 1 milhão, segundo o MP. A promotoria somou todos os rendimentos e despesas declarados de Flávio e da esposa em 2014 e aponta uma diferença negativa de R$ 69 mil. Somados com os dois primeiros meses de 2015, período em que a loja foi adquirida, o déficit nas contas do casal chega a R$ 39 mil. A promotoria afirma que as receitas do casal Bolsonaro não seriam suficientes "para cobrir sequer o sinal de aquisição da franquia, pois resulta em injustificável saldo a descoberto no ano de 2014". "Como Flávio e Fernanda Bolsonaro não possuíam fontes de receitas lícitas para custear sequer a metade do investimento para aquisição e operação da loja Kopenhagen, a informação de que o administrador Alexandre Santini teria dividido os custos do empreendimento pode ter sido falsamente inserida nos contratos com a finalidade de acobertar a inserção de recursos decorrentes do esquema de ‘rachadinhas" da Alerj no patrimônio de Flávio Bolsonaro sem levantar suspeitas", acusa o MP. Outro ponto que chamou a atenção dos investigadores foi o fato de Fernanda ter feito dois depósitos no valor de R$ 550 mil em benefício da empresa, mesmo sem ser sócia da loja. “Apesar de não figurar nos contratos, a esposa de Flávio Bolsonaro arcou não apenas com as dívidas de seu marido, como também integralizou a parte do sócio Alexandre Ferreira Dias Santini no capital da sociedade”, diz o MP. Segundo a promotoria, Fernanda foi a única pessoa a aportar recursos próprios para formar o capital de giro da empresa. “A figura do sócio de capital que de fato não arca com recursos próprios para a capitalização da sociedade levanta suspeitas de que Alexandre Santini possa ter atuado como laranja do casal Bolsonaro na aquisição da loja Kopenhagen a fim de camuflar a origem dos recursos investidos no empreendimento que ultrapassaram R$ 1 milhão e não seriam compatíveis com a renda do casal”, afirmam os promotores. Cruzamento de dados fiscais e bancários de Flávio, Fernanda e Santini mostram discrepâncias nos repasses da empresa aos sócios e no valor da sociedade. Enquanto o senador declarou ter R$ 50 mil relativos à metade da cota da Bolsotini (razão social da franquia), o contrato social da empresa registrado por Santini na Junta Comercial mostra que o capital social da loja seria de R$ 200 mil, sendo R$ 100 mil de cada um. O valor é o dobro do que declarado pelo senador.

Vendas incompatíveis

O Ministério Público também apontou "quantias incomparáveis com o volume de vendas da loja" depositadas na conta da Bolsotini e repassadas a Flávio e a Santini, "travestidas de distribuição de lucros fictícios". Os dados foram obtidos com a administração da Via Parque Shopping, responsável pelo centro comercial onde está instalada a franquia. A empresa realizou auditorias na loja de Flávio e coletou dados sobre valores máximos de receitas do empreendimento comercial entre março de 2015, quando a loja entrou em operação, até dezembro do ano passado. No período, a diferença entre o faturamento auditado pela loja e o crédito repassado em forma de lucro para o senador e seu sócio revelados pela quebra de sigilo fiscal e bancário chegou a R$ 1 6 milhão. Outra discrepância seria o fato de a loja ter recebido R$ 1,7 milhão em depósito em espécie entre 2015 e 2018, sem guardar "proporção com o faturamento da loja proveniente de outros meios de pagamento". A suposta origem ilícita dos recursos, segundo o MP, decorre da "coincidência dos depósitos em dinheiro no mesmo período em que Fabrício Queiroz arrecadava parte dos salários do assessores da Alerj". O ex-assessor teria "disponibilidade de papel-moeda em quantia suficiente para efetuar os depósitos ilícitos na conta da Bolsotini", continua a promotoria. Na Páscoa, por exemplo, época de vendas de chocolates, os valores em dinheiro representaram de 17% a 24% do faturamento. O porcentual, no entanto, não apresentou variações em outras épocas do ano, quando o movimento de vendas tende a diminuir. “Embora o volume de vendas na quinzena da Páscoa seja muito superior ao verificado no restante do ano, o volume de dinheiro depositado em espécie na conta da Bolsotini não variou na proporção das vendas aferidas de outros meios de pagamento”, afirma o MP. “Pelo contrário: em períodos com volumes de venda muito inferiores, houve depósitos de dinheiro em espécie em quantias ainda superiores àquelas constatadas no período da Páscoa, não somente em termos percentuais mas também absolutos.”

Retornos

A promotoria afirma ainda ser "absolutamente desproporcional" a velocidade em que os repasses de lucros da Bolsotini foram destinados a Flávio, bem como a diferença dos valores pagos ao senador e ao sócio. Entre 2015 e 2018, Flávio Bolsonaro recebeu R$ 978 mil em transferências da Bolsotini a título de retiradas de lucro, enquanto Santini, dono de 50% das cotas da Bolsotini, embolsou R$ 506 mil. O advogado de Flávio Bolsonaro, Frederick Wassef, confirmou em nota a batida em um dos endereços do seu cliente. "Confirmo que a empresa do meu cliente foi invadida, mas garanto que não irão encontrar nada que o comprometa. O que sabemos até o momento, pela imprensa, é que a operação pode ter extrapolado os limites da cautelar, alcançando pessoas e objetos que não estão ligados ao caso", completou.

Encontro com o pai

Em meio às investigações, o senador foi ao Palácio da Alvorada no início da noite dessa quarta, onde foi recebido pelo pai, o presidente Jair Bolsonaro, que, diante da presença do filho, não parou para falar com apoiadores e jornalistas que o aguardavam em frente à residência oficial, como costuma fazer, limitando-se a tirar algumas fotos brevemente com alguns simpatizantes. As investigações envolvendo Queiroz chegaram a ser paralisadas este ano depois de uma decisão do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, que proibiu investigações que usassem como base informações do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) –como ocorre na investigação do Ministério Público do RJ. A medida foi derrubada posteriormente pelo plenário do Supremo. Uma fonte ligada ao senador disse, reservadamente, que ele esperava alguma ação do MP fluminense, mas não estava claro se isso realmente ocorreria por agora. O senador avaliava que algo poderia ocorrer após a decisão do Supremo sobre Coaf. Ele, que está em Brasília, ficou surpreso com a operação, segundo essa fonte.

 

 

Agência Estado e Reuters/dom total///