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Protesto contra política liberal de Piñera reúne mais de 1 milhão em Santiago do Chile

Os manifestantes ocuparam o centro da capital mantendo o desafio ao governo há mais de uma semana na revolta marcada por forte repressão pelas forças do Estado

 

Vista aérea da manisfestação contra o governo em Santiago, em 25 de outubro de 2019 (AFP)

Depois de uma semana de revolta, os chilenos voltaram às ruas e realizaram um protesto com mais de 1 milhão de pessoas na capital, Santiago, para pedir melhoras sociais no país. Com bandeiras, apitos, cartazes, panelas e frigideiras para se fazer ouvir, houve manifestações pacíficas de norte a sul do país, no oitavo dia de marchas contra o governo do presidente Sebastián Piñera.

O protesto estudantil iniciado há uma semana contra o aumento na tarifa do metrô provocou uma grave crise social no Chile, onde manifestantes continuam nas ruas para exigir uma fatia maior da prosperidade que transformou o país em um dos mais estáveis da América Latina. Um grupo de estudantes aplaudia cantando a estrofe que tem dominado os protestos em Santiago: "Oh, oh, oh o Chile acordou, o Chile acordou".

Os protestos já resultaram em ao menos 19 mortes. Nesta sexta-feira (25), a concentração na praça principal de Santiago foi inédita. A intendente (governadora) da região metropolitana da capital, Karla Rubilar, informou no Twitter que mais de 1 milhão de pessoas estavam reunidas, enquanto mais gente chegava de outras regiões. "Aqui está marchando o Chile todo, são diferentes dores com diferentes tristezas, mas muita esperança", afirmou ela.

Os manifestantes expressavam demandas como melhores salários e aposentadorias e melhorias no setor de educação, com uma massa sem porta-vozes nem organização aparente. A analista Marta Lagos diretora do Latinobarómetro, afirmou que a magnitude das manifestações é inédita, nunca vista durante a ditadura do general Augusto Pinochet (1973-1990) nem desde o restabelecimento da democracia.

Betzabé Segovia, de 28 anos, trabalhadora de um centro de atendimento ao cliente, que caminhava entre a multidão na Praça Itália, afirmou: "Há gente de todo tipo (…) e todos unidos pela mesma causa". A jovem diz que a explosão social que vive o Chile conseguiu "gerar preocupação no governo, que viu que as coisas não são tão simples, que há uma preocupação profunda". Uma grande bandeira na Avenida Alameda dizia: "Olhem como nos falam do Paraíso enquanto nos atiram balas e pedras", estrofe de uma canção da cantora chilena Violeta Parra.

Estopim

Um pequeno aumento na passagem do Metrô de Santiago foi o catalisador dos protestos, que resultaram em uma mobilização maior, que põe sobre a mesa outras demandas, principalmente um aumento das baixas pensões do setor privado, herdadas da ditadura. "Esta já é a reivindicação de todo um país, nós nos cansamos", gritava uma manifestante que participava de um panelaço em Santiago.

O anúncio de um pacote de medidas sociais por parte do presidente Sebastián Piñera e seu pedido de "perdão" pela gestão inicial da crise não parecem ter surtido efeito na população.

O governo prometeu melhorar as pensões dos mais pobres, elevar os impostos para os cidadãos de maior renda e diminuir os salários dos parlamentares, além de congelar um aumento de 9,2% na tarifa de eletricidade. "Peço a todos os deputados e senadores que, ao invés de brigar tanto ou discutir tanto, aprovemos estes projetos com urgência", disparou Piñera do Palácio de La Moneda, sede da Presidência, cercado de idosos, convidados a conhecer os alcances do projeto de pensões.

Carmen Rojas, uma dona de casa de 40 anos, disse que compareceu ao protesto porque as medidas que o presidente ofereceu esta semana para tratar de conter o descontentamento popular "são apenas paliativos para o problema real, que tem a ver diretamente com a desigualdade no Chile".

Repressão

Mais cedo, na vizinha cidade portuária de Valparaíso o Congresso chileno foi esvaziado pela primeira vez desde sua reabertura, em 1990, após centenas de manifestantes tentarem cruzar o perímetro de segurança, em meio a enfrentamentos com a polícia, que os reprimiu com violência.

Para alguns analistas, o quadro poderia piorar mais. "Após o que vimos nas ruas de Santiago, é difícil imaginar uma saída que não envolva a renúncia de Piñera e novas eleições", afirmou a pesquisadora Jenny Pribble, do Departamento de Ciência Política da Universidade de Richmond, nos Estados Unidos.

A adesão de caminhoneiros aos protestos nesta sexta-feira foi outro elemento significativo no movimento de indignação que se espalhou pelo país, considerado “um oásis na região”, segundo as palavras do presidente há poucos meses atrás. Os caminhoneiros circularam lentamente em uma rota que une o norte ao sul do país e passa por uma divisa de Santiago, exigindo mudanças na cobrança de pedágio, pedindo que eles não sejam mais cobrados nas rodovias privadas. "Nós, os pequenos transportadores estamos sendo sobrecarregados pelo pagamento das autopistas" e "nos submetemos à situação gerada no país", disse Marcelo Aguirre, motorista de 49 anos, durante a manifestação.

Para a diretora do Latinobarómetro, Marta Lagos, "esta crise se soluciona com política, não com uma lista de supermercado de políticas sociais". "Não há fundos, por isso não se pode fazer nada além de política, aqui é preciso haver uma liderança que entregue uma agenda distinta, com caras novas, que sejam dignas de crédito e capazes de interpretar e conduzir a população."

Muitas manifestações têm sido duramente reprimidas e aumentam as denúncias de abuso por parte da polícia. Pelas redes sociais, circulam vários vídeos que não apenas expõem o uso da força desproporcional por parte das Forças Armadas, como mostram suposta responsabilidade de agentes do Estado na prática de atos ilegais, para justificar a repressão e responsabilizar o movimento opositor. Um típico false flag, seguindo os manuais da CIA bem aprendidos ao longo da ditadura. 

A Alta Comissária da Organização das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a ex-presidente chilena Michelle Bachelet, anunciou na quinta-feira o envio ao país de uma comissão para examinar denúncias de violações aos direitos humanos, após Piñera convidá-la a visitar o país. Nesta sexta-feira, a Anistia Internacional anunciou o envio de uma equipe para documentar "as graves violações aos direitos humanos e possíveis crimes de direito internacional que estão sendo cometidos por agentes do Estado", afirmou Erika Guevara Rosas, diretora para as Américas da entidade.

[Vivo] Millones en las calles de todo Chile: aquí la imponente manifestación en Plaza Italia. #LaMarchaMásGrandeDeChile #LaMarchaMásGrande https://t.co/4eAnoETalN pic.twitter.com/fdH3GJtsQi

 

AFP/Agência Estado/Dom Total///