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”Se Moro for considerado suspeito, processos de Lula voltam à fase de denúncia”, afirma Gilmar Mendes

 Carta Maior////

Créditos da foto: ‘Lenda urbana’: assim o ministro classificou, em entrevista exclusiva à BBC News Brasil, a percepção de parte da população de que há um ‘acordão’ entre o Planalto e parte do Senado e do STF para proteger Flávio Bolsonaro e evitar uma CPI do Judiciário (Adriano Machado/Reuters)

 Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil, Mendes disse que os processos de Lula que foram conduzidos e julgados por Moro deverão voltar à fase de denúncia, caso o ex-juiz seja considerado suspeito. Isso anularia as condenações de Lula em dois processos (Tríplex do Guarujá e Sítio de Atibaia), além de retroceder a ação sobre supostas ilegalidades envolvendo recursos para o Instituto Lula, que está prestes a receber sentença do juiz que substituiu Moro na 13ª Vara de Curitiba, Luiz Antônio Bonat.

Na avaliação de Mendes, é Bonat que terá que decidir sobre o recebimento da denúncia, conduzir a instrução do processo e julgar os casos, caso os atos de Moro sejam considerados nulos.



"Eu tenho impressão que, pelo menos tal como está formulado (o recurso), se for anulada a sentença, nós voltamos até a denúncia. Portanto, todos os atos por ele (Moro) praticados no processo, inclusive o recebimento da denúncia, estão afetados pela nulidade. Será esse o veredicto", explicou.

O ministro prevê que serão necessárias ao menos duas sessões de julgamento na Segunda Turma para concluir a análise do recurso, já que deve haver uma discussão sobre se as mensagens reveladas pelo site The Intercept Brasil podem ser usadas em benefício de Lula mesmo constituindo prova ilícita.



Desde junho, o Intercept vem revelando mensagens que teriam sido trocadas entre Moro e Deltan Dallagnol (chefe da força-tarefa da Lava Jato) por meio do Telegram. Elas indicam possíveis atos ilegais do juiz nos processos de Lula, como a indicação de testemunha para Dallagnol.

Por enquanto, os ministros Edson Fachin e Cármen Lúcia votaram, no final de 2018, contra a suspeição de Moro. O caso está suspenso por pedido de vista de Mendes. Faltam votar também Ricardo Lewandowski e Celso de Mello.

Na entrevista concedida em seu gabinete, Mendes também defendeu a liminar do presidente do STF, Dias Toffoli, que suspendeu a investigação contra o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, e inúmeras outras no país.

O ministro chamou de "lenda urbana" a percepção de parte da população de que há um "acordão" entre o Planalto e parte do Senado e do STF para proteger o filho do presidente e evitar uma CPI do Judiciário.



Confira a entrevista a seguir.



BBC News Brasil – Havia uma expectativa de que o processo relativo ao recurso do ex-presidente Lula que questiona a suspeição do ex-juiz Sergio Moro seria retomado logo após o recesso de julho, mas até agora o senhor não levou o caso a julgamento novamente. Essa demora é porque o senhor decidiu esperar por novas revelações pelo The Intercept Brasil sobre a atuação da Operação Lava Jato?



Gilmar Mendes – A pauta da (Segunda) Turma (do STF) está um tanto quanto comprometida. Estamos dando sequência a uma ação originária da Bahia, que envolve o ex-deputado e ex-ministro Geddel (Vieira Lima). Vamos retomar (o julgamento) semana que vem, e talvez ainda precisemos de uma outra sessão. Então, a pauta tem estado muito cheia. Eu disse que entre outubro e novembro nós julgaríamos esse caso, acho que estamos chegando perto.



BBC News Brasil – Nos bastidores de Brasília, muitos acreditam que o senhor estaria aguardando ter mais confiança de que o ministro Celso de Mello, que é esperado como um voto decisivo, convergirá para seu entendimento sobre a suspeição do Moro. O senhor está esperando por isso?



Gilmar Mendes – Não se trata disso, até porque isso seria inútil. O ministro Celso de Mello é o decano do tribunal, terá suas convicções no momento adequado e vai se manifestar de maneira livre como ele sempre faz. O que nós precisamos é ter ajustes na pauta de modo a podermos talvez discutir essa questão. Meu voto será um voto relativamente longo, isso também deve envolver o voto do ministro (Ricardo) Lewandowski e também do ministro Celso.

Precisamos imaginar ao menos duas sessões para esse julgamento. Estamos até cogitando, havendo matéria nova, que se reabra para que a ministra Cármen e o ministro Fachin (que já votaram contra a suspeição de Moro) dela participem. Por exemplo, se formos utilizar dados do Intercept, prova ilícita nesse tipo de situação, haverá esse debate (sobre a possibilidade de usar as mensagens reveladas pelo Intercept no julgamento).



BBC News Brasil – O ministro Celso, quando não acolheu sua proposta em junho de conceder liberdade provisória a Lula, disse que não seria possível saber se as mensagens eram verdadeiras. De lá para cá, a Polícia Federal apreendeu mensagens trocadas no Telegram por autoridades numa operação que prendeu supostos hackers e essas mensagens vieram para o Supremo por meio do pedido do ministro Alexandre de Moraes no inquérito das Fake News. Há possibilidade dessas mensagens passarem por uma perícia para uso nesse processo?



Gilmar Mendes – Não sei o que o ministro Alexandre está pedindo nesta matéria, não sei o que ele fará em termos dessa verificação. Eu tenho a impressão de que para o julgamento na turma, se nós formos usar as mensagens, vamos usar como prova subsidiária, não me parece que sejam provas decisivas. Não vamos, em princípio, cogitar (da necessidade) dessa validação.



Eu acredito que as provas são autênticas. Até agora não tivemos ninguém questionando. Houve aqui ou acolá um erro de divulgação pelo próprio Intercept, mas ninguém discute. O tema assaz aceso será o tema de fato da possibilidade do uso de prova que nós sabemos ilícita, para eventualmente, não condenar alguém, libertá-lo.



BBC News Brasil – Na sua visão, essas mensagens deixam evidente a suspeição do então juiz Sergio Moro?



Gilmar Mendes – Na verdade já há uma carga enorme de dados a indicar elementos para uma discussão. Isso documentado, trazido pela defesa do Lula. Agora isso está sendo acrescido por esses elementos, a forma que (autoridades da Lava Jato) conduziam os processos. Isso vai ter que ser de fato discutido. E é isto que estamos julgando, se de fato se trata de um juiz suspeito e, por isso, sua decisão não teria validade.



(Nota da redação: o recurso de Lula que pede a suspeição de Moro é anterior às revelações do Intercept. A defesa argumenta, por exemplo, que a nomeação de Moro como ministro da Justiça de Jair Bolsonaro evidenciou seu interesse político na condenação de Lula. Moro, por sua vez, diz que condenou Lula em 2017, quando a candidatura de Bolsonaro não era competitiva.)



BBC News Brasil – Se o juiz Sergio Moro for considerado suspeito nesse caso, o Lula teria que passar por novos processos? Os casos teriam que ser distribuídos para outros juízes?



Gilmar Mendes – Eu tenho impressão que, pelo menos tal como está formulado (o recurso), se for anulada a sentença, nós voltamos até a denúncia. Portanto, todos os atos por ele praticados no processo, inclusive o recebimento da denúncia, estão afetados pela nulidade. Será esse o veredicto.

Nota da redação: questionado novamente sobre o tema ao fim da entrevista, Mendes esclareceu que caberia ao novo juiz titular da 13ª Vara de Curitiba, Luiz Antônio Bonat, julgar após o recebimento das denúncias contra Lula.)



BBC News Brasil – Existem elementos então para formar uma convicção sobre esse caso mesmo sem as mensagens do Intercept?



Gilmar Mendes – Não vou responder a pergunta porque aí é óbvio que estarei prejulgando. Mas me parece que eles trouxeram instrumentos importantes, documentaram uma série de questões que eles alegam que de fato o juiz, sem qualquer referência ao Intercept, vinha denotando uma parcialidade. É isso que eles questionam e pedem que nós concedamos, o que levaria a anulação da sentença e de todos os atos (praticados por Moro no processo).



BBC News Brasil – O senhor tomou outra decisão importante no bojo da operação Lava Jato (após Moro divulgar interceptação telefônica entre Lula e Dilma) quando em 2016 impediu a posse de Lula como ministro da Casa Civil. O ex-presidente Michel Temer disse recentemente no programa Roda Viva que, se Lula tivesse tomado posse, não teria havido o impeachment da presidente Dilma. O senhor concorda com essa avaliação? E o senhor tinha ciência do impacto político que sua decisão poderia ter naquele momento?



Gilmar Mendes – Pois é, agora é o "se" na história. Essa conversa do Michel (Temer) com o ex-presidente Lula (em que o petista solicita apoio ao governo Dilma e que não foi divulgada por Moro em 2016) e tudo mais, o que a gente aqui discute são essas informações de que havia mais dados e fitas gravadas que não foram utilizadas. Quer dizer, Moro e seu grupo decidiu vazar aquela conversa (entre Lula e Dilma sobre o termo de posse), que depois se verificou que havia sido feita quando já estava encerrada a interceptação, portanto o ministro Teori (Zavascki, no STF de 2012 a 2017) chegou a averbá-la como ilegal.



A mim me parece que essa é uma decisão chave, a toda hora essa pergunta me vem, sobre essa responsabilidade histórica.

Eu estou convencido de que a resposta que nós demos foi para a hipótese que parecia configurada de desvio de poder. Estava se nomeando Lula e dando-lhe posse no mesmo momento. Aparece aquele telefonema da presidente para o ex-presidente falando do mensageiro especial que estaria levando um documento que o colocava a salvo de tudo, portanto, o ato de posse, já assinado. Aquela história que já se tornou folclórica do Messias que se tornou Bessias. E nós entendemos ali que de fato houve uma iliceidade.



A presidente estava na verdade cometendo um desvio de finalidade. Foi isso que eu averbei no voto, no despacho. Hoje, a pergunta que todos vocês fazem, é: se tivesse tido acesso a todas aquelas conversas, os dados que foram sonegados, como você se posicionaria? Uma pergunta extremamente difícil que a gente tem que meditar, e é um pouco o "se" na história.



BBC News Brasil – Essa tentativa de nomeação do ex-presidente Lula se deu após os maiores protestos contra a presidente Dilma. Para muitos, na época, pareceu uma última cartada para tentar impedir o impeachment, e não uma simples tentativa de tirar o Lula do foco do Judiciário. Houve outras ações tentando impedir a posse que foram sorteadas para o ministro Teori Zavascki. Ele abriu prazo para a Presidência se manifestar, enquanto o senhor tomou individualmente uma decisão com uma carga política muito grande. O senhor não se precipitou, não deveria ser uma decisão do plenário do STF impedir ou não a posse?



Gilmar Mendes – Ali tem a ver com a urgência da questão, porque tal como está caracterizada a entrega do documento, é como não só Lula já estivesse nomeado, mas já tivesse tomado posse no cargo. Embora, eu não consiga compreender, porque tendo em vista todos aqueles dias e todos os encontros, e a aceitação por parte dele, porque parece que houve um processo de persuasão, inicialmente ele não queria aquele tipo de medida, eu não sei porque não deram posse para ele de imediato, e ele começasse a trabalhar.

Eles estavam preocupados, claro, com a crise do governo, mas também com a crise pessoal do processo, quer dizer, como o Sergio Moro agiria em relação ao presidente. Acho que o foco da prisão provisória que poderia ser decretada estava bem presente nesse ambiente decisório. E foi por isso que eu dei a liminar, porque teríamos que esperar um debate para o plenário que se alongaria. De fato entendi que era algo urgente.



BBC News Brasil – Quando a Lava Jato começou, o senhor dizia que eram estarrecedoras as descobertas, que o que a operação vinha revelando tornava o Mensalão digno de um tribunal de pequenas causas. Quando o senhor percebeu que tinha algo de errado com a condução da operação Lava Jato?



Gilmar Mendes – Existe uma disputa em termos de lenda urbana, dizendo "ah, o ministro Gilmar, apoiava a Lava Jato, depois deixou de apoiar", e acho que são duas questões que temos que tratar de maneira clara e explícita. Uma coisa é reconhecer os méritos da operação, que de fato existem. De fato isso tinha chegado a determinados limites, os fatos que são narrados, confessados, reconhecidos, os mecanismos especiais de financiamento de campanha, esses financiamentos das empresas, com financiamento político partidário, isso estava sendo enfrentado. Agora, eu, já em 2014, 2015, começo a questionar, por exemplo, os excessos das prisões provisórias. Até cunhei uma expressão dizendo: "nós temos um encontro marcado com as prisões alongadas de Curitiba" e percebi que elas estavam sendo usadas para induzir a delações.

Nós tivemos até um debate na turma, um caso que envolve um empresário da UTC, Ricardo Pessoa. E ali se discutiu essa questão. Foi um caso clássico porque foi concedida a ordem (de liberdade) a ele, e ele ainda assim fez a delação. A afirmação é que "ah, se ele não tivesse sido preso, ele não delataria". Na verdade, essa é uma premissa falsa, porque o delator, ele na verdade se convence de que deve fazer a delação tendo em vista os elementos de provas com os quais ele é confrontado, e com a perspectiva de pena que ele tem pela frente. Então, eu reputava que não era necessário manter essas pessoas por dois, três anos, para obter a delação. Fiquei vencido muitas vezes na composição mais antiga da turma, quando lá estava o ministro Teori.

Depois, vieram outros episódios que vocês conhecem, a colaboração do Joesley (Batista, executivo da JBS), aquela homologação, em que eu falei claramente no plenário do Supremo que aquilo era ilegal e que nós não deveríamos referendar aquele tipo de prática. (Parte da entrevista)