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Governo Bolsonaro: dá certo governar pelo Twitter?

Presidente adota postura inédita no Planalto ao comandar ampla audiência digital, mas falta de articulação política pode atrapalhar sua gestão.

 

 

Extrema-direita se mostra mais eficaz na comunicação digital com o público. (Marcos Corrêa/PR)

 

Por Thiago VenturaRepórter DomTotal

“Vivenciamos um novo tempo. As eleições de outubro revelaram uma realidade distinta das práticas do passado. O poder popular não precisa mais de intermediação, as novas tecnologias permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representantes. Nesse novo ambiente a crença na liberdade é a melhor garantia de respeito aos altos ideias que balizam nossa Constituição”, disse em dezembro o presidente Jair Bolsonaro (PSL-RJ) durante a diplomação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). O discurso não poderia ser mais do que profético: passados cinco meses de mandato, o político é insuperável no número de seguidores e volume de postagens nas redes sociais de todos que ocuparam o Palácio do Planalto.

Contudo, desde que tomou posse, esbarrou em várias polêmicas, disparadas principalmente pelo Twitter, rede social em que o presidente acumula 4,4 milhões de seguidores. Num dos casos mais emblemáticos, chocou o Brasil ao publicar um vídeo grotesco de golden shower. Depois, bateu boca com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e em maio, comprou briga com os políticos do Centrão. E quando viu sua popularidade cair, voltou à rotina de fazer transmissões ao vivo pelas redes sociais toda a quinta-feira.

Enquanto isso, o governo anda capengando na articulação política, acumulado derrotas em projetos e comissões no Congresso Nacional, como a convocação do ministro da Educação, Abraham Weintraub, a mudança do Coaf para o Ministério da Economia e a derrubada do decreto que alterou as regras da Lei de Acesso à Informação.

Em outra frente, Bolsonaro e seus filhos lideram um batalhão de fãs nas redes sociais. Em cada crítica, mesmo que seja branda ou construtiva, técnica ou votação no Congresso, seus seguidores são mobilizados para apoiá-lo incondicionalmente a acossar parlamentares. Praticamente todo dia uma hashtag escolhida pelo clã aparece no trending topics do Twitter. Será que tal estratégia dará certo?

“O Brasil elegeu um presidente para fazer o que eles chamam de ‘guerra cultural’ e isso está sendo conduzido de forma eficiente”, analisa Alberto Lage, consultor em campanha política e eleitoral e líder da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps). Na opinião do especialista, que já atuou na comunicação digital em campanhas e governos, Bolsonaro tem um modelo muito centrado em falar para as mesmas pessoas, mantendo ativo seu eleitorado numa espécie de “campanha sem fim”. Porém, esse contingente original não representa a base que venceu as eleições, uma vez que muito da sua vitória se deve à rejeição ao Partido dos Trabalhadores (PT).

“Não considero que o governo esteja errando na comunicação ao fazer essa “guerra cultural”, pois ele está cumprindo os seus objetivos ao agradar sua base original. O modelo que ganhou foi esse com essas prioridades, não necessariamente as prioridades que o Brasil precisa”, afirma Lage.

E, pelo visto, as polêmicas nas redes devem continuar ao longo do seu governo. Segundo Camilo Aggio, professor e pesquisador do Departamento de Comunicação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), essa estratégia é uma forma de sempre se manter na mídia e capturar a atenção de seus seguidores.

“Muitos acharam que Bolsonaro apenas representou um personagem e que seu discurso mudaria ao assumir a Presidência. Mas a verdade é que Bolsonaro é isso e sempre foi assim. Ele sempre defendeu pautas morais, lutou contra os mesmos fantasmas e odiou a política de coalizão em seus quase 30 anos de vida pública”, analisa o doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela UFBA.

“O erro é de quem acha que o objetivo do governo é reformar a economia, fazer reforma tributária ou reforma da Previdência. O governo está fazendo muito bem aquilo que ele se propõe e não tem intenção de fazer diferente. O Brasil teve espaço para discutir isso nas eleições e optou por esse projeto”, completa Alberto Lage.

Um contraponto ao uso da comunicação direta e “milícias digitais” se dá justamente na relação com o Congresso. Muito além da “lacração na redes”, é necessário ao governo ampliar o diálogo com diferentes pontos de vista.

 “A política tem lógicas, princípios de relações, normas e regimentos internos que fazem com que a aprovação de medidas aconteça com o apoio dos próprios políticos. A pressão popular vai impulsionar determinados aspectos, mas não toda a relação entre Planalto e Congresso. O político profissional depende de votos para continuar no sistema e, ao analisar uma pauta impopular, proposta por um governo impopular, ele coloca tudo na balança. A inabilidade da Presidência da República para negociar com o Parlamento e uma grande aposta populista de pressão social não está dando resultados”, comenta Aggio.

Vitória eleitoral e derrota da esquerda
O intenso uso de redes sociais marcou uma estratégia vitoriosa nas eleições para o candidato do PSL, que superou candidatos com maior tempo de TV, recursos financeiros e estrutura tradicional de campanha. Camilo Aggio acompanha o tema desde 2010 e escreveu tese de doutoramento sobre o uso de Twitter nas eleições naquele ano, primeiro pleito em que o uso das redes foi autorizado pelo TSE. Na opinião do professor, Bolsonaro soube capitalizar muito bem as novas mídias para criar seu eleitorado.

“As redes sociais ampliam a disponibilização e o alcance dos conteúdos, que fazem com que a mensagem tenha grande impacto sobre o jornalismo e a discussão pública. De 2010 pra cá, houve um crescimento exponencial da importância da comunicação digital, o que muitos políticos não apostavam. Bolsonaro, por sua vez, percebeu isso e iniciou sua campanha anos antes de seus concorrentes”, comenta Aggio.

Para o professor, as mídias digitais permitem essa “campanha interminável”, abrindo a possibilidade de o político se eleger independentemente dos meios oficiais através da comunicação nas redes sociais ao longo de bastante tempo, criando um público muito segmentado. “Enquanto Bolsonaro fazia campanha há dois, três anos pela comunicação digital, seus adversários diretos estavam esperando o ‘passado’ (tempo de rádio e TV) chegar para iniciar campanha, ele já estava acontecendo no presente (redes sociais)”, afirma.

Para entender melhor o fenômeno Bolsonaro, o professor afirma que é preciso retornar aos grandes protestos de 2013. Até aquela época, a esquerda era famosa pela sua militância nas ruas, de protesto e fechamento de vias. Outros grupos começaram a tomar as ruas, em especial o Movimento Brasil Livre (MBL), com intensa mobilização digital.

"Aquele foi o momento em que a esquerda de protesto vai as ruas, que há décadas era espaço quase exclusivo dela, e perde espaço para a direita e extrema-direita, que nunca mais sai até a queda da Dilma. Além de ocupar espaço, a extrema-direita passa a entender linguagens, gramáticas e lógicas de funcionamento da comunicação digital e a criar uma grande rede de apoiadores. Isso consolidou um discurso conservador nos costumes e liberal na economia, considerado bom e atrelando ao polo oposto, em especial ao PT, a ineficiência e incompetência e corrupção”, narra. Bolsonaro conseguiu capturar politicamente esse zeitgeist.

E como estão as forças antagonistas ao presidente nesse começo de governo? Na avaliação Alberto Lage, elas continuam capengando em ocupar espaços de debate nas redes sociais. “Qualquer estratégia de oposição bem-feita depende da oposição se mostrar melhor em fazer aquilo que o governo se propõe a fazer. Quando o Planalto anuncia um ‘plano de combate ao crime’, o que os opositores deveriam fazer seria apresentar uma outra solução, senão fica parecendo que são a favor do crime. A esquerda e centro tinham que apresentar o projeto anticrime deles”, afirma.

Para o consultor, esses partidos estão desunidos e desarticulados e elenca um episódio como exemplo: “Quando a deputada Tábata Amaral (PDT-SP) faz um sucesso enorme rebatendo o então ministro da Educação, Vélez Rodriguez, o que as redes petistas e psolitas fazem? Atacam a própria deputada numa disputa por poder. Justamente por causa dessa incompetência de gerar uma liderança, tanto da esquerda como do centro e do PSDB, que Bolsonaro conseguiu se tornar o que é”, analisa.

Presidência monitora redes

O Palácio do Planalto divide os influenciadores nas redes sociais e sites que repercutem notícias relacionadas ao governo entre os de “viés de esquerda” e os “apoiadores”. Um relatório sigiloso, revelado em abril, mostra monitoramento das mídias digitais, produzidos por uma agência contratada pela Presidência. Os textos adotam termos da militância bolsonarista, como “velha política”, para descrever parlamentares da oposição, e destacam ataques ao presidente Jair Bolsonaro e seus ministros com potencial de viralizar.

O documento destaca que “os perfis seguem apontando desentendimentos entre parlamentares e líderes do governo. Entre suas linhas argumentativas, os usuários teceram críticas à velha política e questionaram a prioridade do presidente para a aprovação da medida”. As hashtags mais difundidas foram #votesimpelareforma e #euapoionovaprevidencia.
O relatório aponta que os perfis de opositores do governo enfatizaram que o trabalhador teria “sacrifício” e criticaram a proposta para os militares.

Redação DomTotal///