A sociedade atual não pode continuar aceitando que apenas o crescimento econômico seja um dos principais pilares para a destruição do meio ambiente, e consigo, da vida humana.
De acordo com a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) a venda de agrotóxicos cresceu 93% no mercado mundial, nos últimos anos. (Pixabay)
Denomina-se como sociedade de risco, segundo Ülrich Beck, aquela onde os riscos são frutos de uma imagem refletida das ações e omissões humanas. Produzidos pelo próprio homem em sua capacidade máxima de desenvolvimento e tecnologia, esses riscos não ficam restritos às fronteiras de determinado país, repercutindo, então, no mundo como um todo. Logo, a preocupação com os riscos já não se trata mais de um perigo externo, mas sim do próprio homem que, por meio do seu conhecimento e de suas ações é capaz de transformar e de destruir as condições de vida através da criação de novos riscos.
Nesse contexto de desenvolvimento científico-tecnológico e de produção de riscos, foi deflagrada a Revolução Verde, após a II Guerra Mundial, amparada em monoculturas cultivadas mediante a intensa aplicação de agrotóxicos na produção agrícola. Segundo a Secretaria do Estado de Saúde do Paraná o termo Agrotóxicos passou a ser utilizado, no Brasil, para designar as substâncias utilizada spelo setor agropecuário, florestal, urbano, entre outros.
O uso dos agrotóxicos, também conhecido por veneno agrícola, em virtude de sua toxidade e prejuízo para o meio ambiente e saúde humana, tem crescido cada dia mais em todo o globo. De acordo com a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) a venda de agrotóxicos cresceu 93% no mercado mundial, nos últimos anos. Já no Brasil a questão é ainda mais alarmante, uma vez que em 2008 se tornou o principal país consumidor de agrotóxicos ultrapassando o percentual mundial e atingindo 190% do mercado mundial.
Esse crescimento se dá, em especial, nos países em desenvolvimento e que possuem seu mercado voltado para o agronegócio, como é o caso do Brasil. Isso porque o acesso à informação e a educação acontece de forma precária, possibilitando uma produção desenfreada, sem controle e a qualquer custo aos usuários e ao meio ambiente, preocupando-se, assim, apenas com o lucro obtido do negócio.
De acordo com a Organização Pan-Americana da Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) no Brasil mais de 193 mil pessoas morrem, todos os anos, devido a exposições aos agrotóxicos, que pode se dar por contato ou ingestão. Recentemente, dados divulgados pelo Laboratório de Geografia Agrária da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) em conjunto com a Universidade de São Paulo (USP), ao mapear casos de intoxicação, demonstrou que pelo menos oito brasileiros são contaminados diariamente. Para piorar, ainda segundo a OMS a subnotificação das intoxicações por agrotóxicos é da ordem de 1 : 50, ou seja, para cada caso notificado, existem outros 50 que não foram notificados. O que permite concluir pela nocividade dessas substâncias à vida humana e ao meio ambiente, se tornado esse um problema e um dos maiores desafios para a saúde pública no Brasil e no mundo.
A fim de ilustrar, pesquisas recentes comprovam que podemos encontrar substâncias provenientes dos agrotóxicos não apenas em resíduos de alimentos, mas também no sangue e no leite materno, de modo que o contato e/ou a ingestão excessiva de agrotóxicos pode estar diretamente ligada a doenças como câncer, Mal de Parkinson, e depressão, fora o desenvolvimento de problemas mentais, esterilidade, anomalias congênitas e até mesmo o suicídio, não esquecendo-se do desequilíbrio ambiental afetando o solo, ar, água e a biodiversidade ao redor.
Essa questão se trata de um problema do campo para a cidade, mas que, contudo ou como quase tudo, no Brasil, se inicia na política. O Ministério da Agricultura, por exemplo, desde sua criação, e em todos os governos até hoje pouco tem se preocupado com o uso controlado de agrotóxicos, mas despende de toda sua força e influência para a manutenção de um modelo de produção agrícola baseado no uso intensivo do solo sem qualquer preocupação com o meio ambiente e com a saúde.
Ressalta-se que o cerne da questão não é utilização dos agrotóxicos em si, mas sim o uso desenfreado frente à ausência de informação dos usuários, tecendo assim uma crítica àqueles que, tendo ciência desses fatos, permanecem permitindo, produzindo e comercializando tais substâncias por se preocuparem exclusivamente com o lucro obtido por meio desse produto, agindo sem qualquer ética ambiental.
O conceito de ética ambiental surgiu na década de 1960, estendendo-se assim o significado da ética filosófica ao se preocupar com a relação homem-natureza, entendendo, portando, que a vida humana está diretamente associada à preservação do meio ambiente e, por esse motivo, as consequências do agir humano podem prejudicar não apenas a natureza, mas a própria vida humana.
A sociedade atual não pode continuar aceitando que apenas o crescimento econômico seja um critério, uma justificativa, um dos principais pilares para a destruição do meio ambiente, e consigo, da vida humana. Necessário se faz a construção de uma consciência ética perante a vulnerabilidade e os riscos do mundo atual, pensando uma sociedade onde não se busque apenas os seus próprios interesses, mas que haja uma verdadeira preocupação com a coletividade e, portanto, a própria preservação da vida humana dentro do seu habitat natural, o meio ambiente.
Hume (1771-1786), um filósofo escocês, afirma que as coisas são observadas pela sua (in)utilidade e, perante a natureza, o homem está em busca de algum benefício, de modo que, se não o encontra, dali se afasta. Trata-se, exatamente, do que se observa atualmente em relação às questões ambientais, notoriamente no caso dos agrotóxicos. Enquanto se revelar útil, isto é, lucrativo, o crescente uso de agrotóxicos na produção agrícola, poucas ações serão adotadas para efetivamente combater os riscos socioambientais associados. Contudo, é nesse quesito que as questões acerca do meio ambiente precisam trabalhadas. Claro que não se pode ignorar as relações econômicas e de interesses, no caso dos agrotóxicos, mas quem sabe pensar um novo significado sobre a vida em uma dimensão ética ambiental, que seja capaz de lidar com as questões econômicas e ambientais de maneira equilibrada, vislumbrando a oportunidade para decidir com precaução, pensando para além da individualidade.
Assim, diante da sociedade de risco atual, o controle das decisões, sejam elas políticas, econômicas ou sociais, tomadas entre governos, empresas, instituições de pesquisa e sociedade precisam ser conduzidas, também, pela ética ambiental uma vez que o meio ambiente compreende, não apenas a biodiversidade, mas também a vida e saúde dos habitantes que dela fazem sua casa comum.
*Advogada, Mestranda em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável pela Escola Superior Dom Helder Câmara.
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