Há dez anos a Souza Cruz inaugurou com festa e foguetório sua fábrica em Cachoeirinha na região metropolitana de Porto Alegre.
O projeto, segundo informações da época, foi viabilizado por incentivos fiscais concedidos pelo governo do Estado.
Quase nada foi divulgado sobre esses incentivos. Mas o principal argumento a favor deles era exatamente a geração de emprego.
Agora, a Souza Cruz anuncia o fechamento da fábrica e demissões, alegando o aumento excessivo de impostos e o contrabando de cigarros.
Novamente, nada foi dito ou perguntado sobre os incentivos fiscais concedidos, normalmente, por prazos de 20 anos ou mais.
“Souza Cruz fecha fábrica de cigarros em Cachoeirinha e demite 190”, informou a Zero Hora com base no comunicado da empresa. A justificativa – dos impostos e do contrabando – foi aceita sem questionamento.
E, no dia seguinte, uma manchete explicativa:
“Demissões na Souza Cruz foram acordadas com sindicato para garantir benefícios aos funcionários” .
O emprego é sempre o principal argumento a favor dos incentivos fiscais. Nessa hora essa relação não é feita!
A culpa é jogada na conta do governo que provocou a crise, que leva ao aumento de impostos.
Também é culpa do governo porque não coíbe o contrabando, que tanto prejuízo causa à Souza Cruz.
A Souza Cruz detém 78,4% do mercado brasileiro de cigarros, segundo a revista Exame.
Lucrou 1,7 bilhões de reais, em 2015, um crescimento de 1% sobre o ano anterior. Lucro líquido sobre uma receita líquida de 6,26 bilhões de reais.
Claro, o cigarro é uma parte do negócio. É a exportação de fumo, beneficiada, que garante o grande ganho.
Como disse ao Jornal do Comércio, o presidente dos Fumicultores, Benício Werner:
“O fechamento de uma fábrica no Brasil não nos atinge tanto porque a exportação é muito representativa: 90% do que produzimos vai para a exportação”.
O prefeito de Cachoeirinha, Vicente Pires, disse ao JC que o faturamento da fábrica que vai fechar caiu de R$ 1 bilhão para 600 milhões nos últimos quatro anos.
A Souza Cruz está certa, na lógica capitalista. Mas, o contribuinte, que paga parte da conta, merece no mínimo ser melhor informado. (EB)
Em tempo:
Em 2014, segundo a Reuters, a British Tobacco desembolsou R$ 1,7 bilhão de liras (2,6 bilhões de dólares) para comprar mais uma fatia da operação brasileira, da qual hoje tem 97% do capital.
Abaixo, trechos de artigo publicado no jornal JÁ em maio de 2003:
Você aprova subsídio do governo para uma fábrica de cigarros?
A Souza Cruz, que não pertence ao seu Souza, nem ao seu Cruz, mas à British American Tobacco, com sede em Londres, acaba de inaugurar uma grande fábrica de cigarros em Cachoeirinha, na região metropolitana de Porto Alegre.
O Rio Grande do Sul é há muito um Estado falido, que mal consegue pagar os salários dos seus funcionário e que corta gastos com saúde, segurança e educação.
Mas o governo teve um dinheirinho (quanto ninguém sabe, porque disso não se fala) para ajudar o negócio da British Tobacco que, apesar de todas as campanhas anticigarros, continua sendo uma das multinacionais mais lucrativas do mundo.
Páginas de anúncios coloridos publicadas em todos os jornais serviram como fogo de barragem, para dissuadir os espíritos críticos.
A ermpresa ousou até reproduzir nos anúncios uma frase do sr. Albino de Souza Cruz, o fundador da empresa brasileira, há 100 anos: “Nesta casa, mais que as máquinas, importam as pessoas”
Frase lapidar, dita num tempo em que não se sabia dos malefícos do fumo e nem se imaginava que o cigarro viesse a ser considerado um vilão da saúde.
Nossos jornais, óbviamente, deram feérica cobertura à inauguração que reuniu dois mil convidados.
Maravilhas foram ditas: uma das fábricas mais modernas do mundo, bilhões de cigarros por dia, milhões de dólares em investimentos, centenas de empregos…
Até o número de canapés foi informado por um diligente repórter (…)
Nenhuma palavra sobre os tais incentivos: em quanto importam, como serão concedidos, etc… Nada, como se existisse uma unanimidade sobre essa política de subsidiar fábricas, mesmo que sejam fábricas de cigarro, que são fábricas de morte.
Claro, fumar é uma decisão pessoal, como bem disse o presidente da American Tobacco na inauguração. Mas o governo, ainda mais um governo falido, precisa estimular?
A imprensa precisa omitir a informação e as críticas?