A decisão da presidente Dilma Rousseff de incluir o político gaúcho Leonel Brizola na lista dos heróis da pátria faz justiça a um dos maiores líderes da história do País; em 1961, ele teve papel central na Campanha da Legalidade, que garantiu a posse de João Goulart após a renúncia de Jânio Quadros; como governador do Rio Grande do Sul e, depois, do Rio de Janeiro, Brizola elegeu a educação como pilar central de suas administrações; com Darcy Ribeiro a seu lado, Brizola idealizou os Cieps, modelo do que hoje seriam os CEUs, da periferia de São Paulo; ao longo de toda sua trajetória, Brizola sofreu feroz oposição da Globo, que, em 1994, foi obrigada a lhe conceder um histórico direito de resposta; atacado de forma vil pela imprensa, Brizola sempre esteve ao lado dos trabalhadores
29 de Dezembro de 2015 às 20:15
247 – A presidente Dilma Rousseff tomou uma decisão mais do que acertada, nesta terça-feira 29, ao incluir o político gaúcho Leonel Brizola na galeria dos heróis da pátria, fazendo justiça a um dos principais líderes nacionais do século 20.
Bastariam cinco motivos para que Brizola seja sempre lembrado ao lado de outros heróis nacionais, como Tiradentes e Zumbi dos Palmares. A eles:
1) Em 1961, como governador do Rio Grande do Sul, Brizola lançou a Campanha da Legalidade, por meio de transmissões diárias de rádio. Graças a sua resistência, João Goulart, que era vice de Jânio Quadros, pôde tomar posse após a renúncia do presidente, adiando assim o golpe de 1964.
2) Mais do que qualquer outro político, Brizola colocou a educação como pilar central de suas administrações, tanto no Rio Grande do Sul como no Rio de Janeiro, estado que também governou. Um de seus principais colaboradores foi Darcy Ribeiro, que idealizou os Cieps, escolas modelo que foram inspiração para os CEUs, da periferia de São Paulo.
3) Brizola sempre atuou em defesa dos interesses nacionais e dos trabalhadores. Primeiro, no PTB, de Getúlio Vargas. Depois, no PDT, que ele próprio criou, após o PTB ter sido empastelado pela ditadura militar.
4) Combatido de forma vil e implacável pelos meios de comunicação conservadores, em especial pela Globo, Brizola sempre denunciou o poderio das oligarquias midiáticas. Em março de 1994, ele obteve um direito de resposta histórico, lido por Cid Moreira, em pleno jornal nacional. Confira abaixo:
5) Em 1989, na primeira eleição presidencial após a redemocratização, Brizola era a grande esperança da esquerda brasileira. No entanto, por uma margem mínima deixou de ir para o segundo turno contra Fernando Collor. Mesmo derrotado, Brizola não hesitou em apoiar o operário Lula e cunhou uma de suas frases mais lembradas. Disse que a elite brasileira ainda teria que "engolir o sapo barbudo".
Leia, ainda, texto de Fernando Brito, que colaborou diretamente com Brizola e hoje edita o Tijolaço:
Veja porque Brizola merece ser um herói da pátria
POR FERNANDO BRITO · 29/12/2015
Dilma Rousseff sancionou hoje a lei que inclui Leonel de Moura Brizola no Livro dos Heróis da Pátria.
A lei, proposta pelo então deputado Vieira da Cunha em 2013, foi aprovada pelo Senado este mês.
Coincidência ou não, tem um significado nestes dias em que o golpismo trama contra a democracia.
De tudo o que fez, há algo em que Brizola é único.
Governar três vezes dois Estados diferentes, ter um terço dos votos de todos os cariocas como candidato a deputado no Rio de Janeiro, recém chegado aqui, em 1962, outros podem alcançar.
Sair da roça, de pés descalços e tornar-se um dos políticos mais importantes do país, Lula provou que é possível e até mais além do que permitiram a Brizola ir.
Amar as crianças e a educação, ainda bem, tem na mesma linha Darcy Ribeiro, Paulo Freire, Anísio Teixeira, tantos…
Mas ter se erguido com a solidão e a coragem contra a ousadia de todos os ministros militares, a covardia dos políticos e a cumplicidade da mídia para evitar – ao menos por três anos – um golpe e uma ditadura, perdoem-me só ele.
Leonel Brizola é, agora com as formalidades, um herói da pátria.
Porque não há pátria sem povo, não há povo sem liberdade e a liberdade tem seus heróis tanto em quem a conquista como em quem a defende à custa de sua própria vida.
Há 15 anos, contra a vontade de Brizola, que achava que não tínhamos meios, fiz um vídeo sobre os instantes heroicos de 1961, com imensa pobreza de recursos e talento, mas com uma imensidão de desejo de dar – no final de sua vida – ao meu comandante por 20 anos a emoção que aqueles acontecimentos haviam lhe dado 40 anos antes.
Sem saber, eu começava ali as despedidas de alguém que, para mim, nunca se foi. Só quase três anos depois, na véspera de sua morte, ele apertaria tão forte a minha mão.
Divido com vocês o privilégio de ter podido reconstituir os dias de herói do agora e sempre Herói da Pátria Leonel Brizola.
BRIZOLISTA
Dilma fez sua carreira política associada ao PDT –só filiou-se ao PT em 2001, entrando para o primeiro governo Lula como ministra das Minas e Energia em 2003. Ideologicamente, sempre foi vista mais como brizolista, defendendo um ideário nacional-desenvolvimentista na área econômica, ou seja, de forte intervenção estatal.
Tanto é assim que sempre que querem criticar a presidente, dirigentes do PT lembram a falta de identificação histórica dela com a sigla. O simbólico Ministério do Trabalho é feudo do PDT, e o neto de Brizola chegou a ser titular da pasta sob Dilma por um breve período no seu primeiro mandato.
Quando Brizola morreu, em 21 de junho de 2004, Dilma era ministra das Minas e Energia. Na ocasião, disse que ele teve um papel de destaque na vida social e política do país, "especialmente no movimento da legalidade e no processo de redemocratização".
"A sua trajetória política é parte indissociável da história do Brasil", disse a então ministra.
Com a inscrição no "Livro", Brizola vai figurar ao lado de outras 31 figuras históricas, como Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Alberto Santos-Dumont e dom Pedro 1º.
O registro fica depositado no Panteão da Pátria e da Liberdade Tancredo Neves, estrutura que fica na praça dos Três Poderes, em Brasília.
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CRONOLOGIA
22.jan.1922 Nasce, na vila de Cruzinha, então Passo Fundo (RS), Leonel de Moura Brizola, filho do lavrador José Brizola e de Oniva de Moura
1945 Começa a cursar engenharia na Universidade do Rio Grande do Sul. Em agosto, ajuda a fundar o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro) gaúcho
19.jan.47 É eleito deputado estadual pelo PTB
1º.mar.50 Casa-se com Neusa Goulart, irmã do deputado estadual João Goulart. Getúlio Vargas é padrinho do casamento
3.out.54 É eleito deputado federal
3.out.55 Vence a eleição para prefeito de Porto Alegre
3.out.58 É eleito governador do Rio Grande do Sul
25.ago.61 Jânio Quadros renuncia à Presidência enquanto o vice-presidente, João Goulart, está na China. Ministros militares não admitem a posse de Jango. Brizola comanda, então, a campanha da legalidade, que pretende garantir a posse de Jango
7.out.62 Brizola é eleito deputado federal agora pelo Estado da Guanabara
23.out.1961/Acervo UH/Folhapress |
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Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, e o presidente João Goulart em 1961 |
31.mar.64 João Goulart é deposto. Brizola tenta organizar a resistência armada, mas o presidente, contrário à idéia, parte para o exílio no Uruguai. Brizola é cassado e tem seus direitos políticos suspensos
15.mai.64 Brizola foge para o Uruguai, de avião, vestindo uma farda de soldado da Brigada Militar e supostamente levando consigo a faixa presidencial usada por João Goulart
1967 Brizola teria feito acordo com Fidel Castro para a implantação de movimentos guerrilheiros no Brasil, financiados por Cuba. A ajuda cubana teria chegado a US$ 1 milhão
1978 Muda-se para Portugal, onde inicia contatos com socialistas e socialdemocratas. Participa de encontro da Internacional Socialista na Alemanha
6.set.79 Após 15 anos no exílio, Brizola retorna ao Brasil
12.mai.80 Depois de trabalhar pela reorganização do PTB, Brizola perde o direito sobre a sigla para o grupo de Ivete Vargas
25.mai.80 É criado o PDT (Partido Democrático Trabalhista)
15.nov.82 É eleito governador em eleição marcada por acusações de fraude, no episódio conhecido com escândalo da Proconsult
15.nov.89 Recebe mais de 11 milhões de votos mas fica em terceiro lugar na eleição presidencial. Apóia Lula no segundo turno contra Collor
Luciana Whitaker – 15.mar.1991/Folhapress |
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Leonel Brizola durante carreata nas ruas do Rio, antes de sua posse como governador do Estado |
3.out.90 É eleito governador do Rio de Janeiro no primeiro turno
1992 Demora a aderir à campanha pelo impeachment de Collor depois de posicionar-se contra à criação da CPI do caso PC Farias
7.abr.93 Neusa Goulart Brizola morre aos 71 anos
15.mar.94 Após Brizola ganhar direito de resposta contra a Rede Globo, Cid Moreira lê, no "Jornal Nacional", texto em que Brizola afirma que "tudo na Globo é tendencioso e manipulado"
Abr.94 Brizola deixa o governo do Rio de Janeiro para candidatar-se a Presidente a República
3.out.94 Fica em quinto lugar na eleição presidencial, com pouco mais de 3% dos votos
Eduardo Knapp – 9.out.1998/Folhapress |
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Lula e Leonel Brizola, candidatos a presidente e vice pela coligação União do Povo, em 1998 |
Jan.98 PT e PDT fecham aliança para a eleição, com Brizola como candidato a vice-presidente
4.out.98 Lula e Brizola são derrotados no primeiro turno da eleição
1º.out.2000 Perde a eleição para a prefeitura do Rio
6.out.2002 Tenta se eleger senador, mas fica em sexto lugar
21.mar.2003 Reeleito presidente nacional do PDT, Brizola afirma a independência do partido em relação ao governo Lula
28.out.2003 É indicado presidente de honra da Internacional Socialista durante o 22º congresso da entidade, em São Paulo
12.dez.2003 O PDT rompe com o governo Lula e deixa a base aliada
Eduardo Knapp – 24.jun.2004/Folhapress |
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Leonel Brizola é enterrado no jazigo da família Goulart no cemitério Jardim da Paz, em São Borja (RS) |