A principal ameaça que paira sobre a democracia brasileira atualmente é o processo de despolitização da política e de politização da Polícia e do Judiciário; neste contexto, é preciso ter clareza que o que está envolvido no debate sobre a Reforma Política vai muito além de uma reforma eleitoral; o alerta é da cientista política Céli Pinto, professora da UFRGS, durante audiência na AL-RS; segundo a estudiosa, “na atual conjuntura, não há nenhuma garantia de que uma Constituinte Exclusiva resulte em algo melhor do que foi aprovado na Constituição de 1988"; "Há muitos direitos da Constituição de 1988 que as forças conservadoras querem suprimir e a parte mais progressista da política brasileira está contra a parede. Nós vamos criar uma Constituinte para quê exatamente?”, questionou
17 de Novembro de 2015 às 11:35
Marco Weissheimer, Sul 21 – A principal ameaça que paira sobre a democracia brasileira hoje é o processo de despolitização da política e de politização da Polícia e do Judiciário. Neste contexto, é preciso ter clareza que o que está envolvido no debate sobre a Reforma Política vai muito além de uma reforma eleitoral. A advertência foi feita nesta segunda-feira (16), na Assembleia Legislativa gaúcha, pela cientista política Céli Pinto, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, na segunda audiência da Comissão Especial da Reforma Política. Presidida pelo deputado estadual Tarcísio Zimmermann (PT), a comissão está promovendo uma série de debates com convidados especiais para aprofundar a discussão sobre o tema, analisar o impacto de medidas já aprovadas e de outras que aguardam votação.
Para Tarcísio Zimmermann, a crise institucional vivida hoje no país está muito relacionada ao atual sistema político-eleitoral e defendeu o fortalecimento dos espaços e mecanismos de participação popular como forma de qualificar e fortalecer a democracia brasileira.
Citando uma formulação usada pelo sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, Céli Pinto destacou que o ponto mais importante da Reforma Política é a democratização da democracia. A professora da UFRGS classificou como fundamental e urgente fortalecer os partidos políticos no Brasil. Ela lembrou que, historicamente, as tendências antidemocráticas que se expressam no país sempre trabalham pelo enfraquecimento dos partidos. Por outro lado, ressaltou que fortalecer os partidos não significa aumentar o poder das burocracias partidárias. No plano eleitoral, Céli Pinto defendeu o modelo das listas fechadas, elaboradas segundo critérios de paridade de gênero e dentro de um processo de democratização interna dos partidos.
A cientista política manifestou reservas em relação à proposta de convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte Exclusiva para a realização da Reforma Política. “na atual conjuntura, não há nenhuma garantia de que uma Constituinte Exclusiva resulte em algo melhor do que foi aprovado na Constituição de 1988. Há muitos direitos da Constituição de 1988 que as forças conservadoras querem suprimir e a parte mais progressista da política brasileira está contra a parede. Nós vamos criar uma Constituinte para quê exatamente?” – indagou a pesquisadora.
Céli Pinto lembrou que as três experiências recentes de convocação de assembleias constituintes na América do Sul – na Venezuela, na Bolívia e no Equador – ocorreram logo após a eleição de presidentes (Hugo Chávez em 1989, Evo Morales em 2006 e Rafael Correa em 2007, respectivamente) que tinham uma altíssima aprovação popular e maioria no Congresso. “Todos esses processos ocorreram em momentos iniciais destes governos que tinham bases populares muito fortes”, assinalou. A cientista política também advertiu para o risco, na atual conjuntura, de apostar em plebiscitos e referendos. “A sociedade civil não é um princípio do bem. Ela também é dividida em partidos e ideologias. Uma democracia plebiscitária pode ser extremamente conservadora. Hoje, no Brasil, resultaria na aprovação da pena de morte, redução da maioridade penal, proibição total do aborto e revogação do Estatuto do Desarmamento”.
Claudir Nespolo, presidente da seção gaúcha da Central Única dos Trabalhadores (CUT), defendeu a proposta da convocação de uma Constituinte Exclusiva para a Reforma Política, lembrando que ela teve recentemente 8 milhões de assinaturas de apoio no país. As atuais maiorias parlamentares, argumentou, não aprovarão mudanças que contrariam seus próprios interesses. “Tanto é assim que aprovaram essa mini reforma agora, que é mais eleitoral do que qualquer outra coisa”, observou. “Para nós, a democracia é um valor. Já para o capital, não, uma vez que ele pode ganhar dinheiro em qualquer regime. O plebiscito que realizamos foi só uma etapa dessa campanha que segue em curso e que trabalha para alterar essa correlação de forças desfavorável que temos hoje, mencionada pela professora Céli Pinto”, disse ainda Claudir Nespolo.
Diretor regional da Associação Brasileira de Organizações Não-Governamentais (Abong), Mauri Cruz também defendeu que o debate sobre a Reforma Política não se resume ao âmbito meramente eleitoral. “Precisamos ampliar o processo de participação. O Brasil tem hoje milhares de conselhos que estão ligados aos executivos. Eles poderiam ficar vinculadas aos legislativos. Essa seria uma forma, inclusive de oxigenar os nossos parlamentos”, assinalou.
Mauri Cruz destacou o fim do financiamento empresarial nas eleições municipais de 2016 e defendeu a adoção do sistema de eleições proporcionais em dois turnos. “Hoje, o eleitor já escolhe primeiro o partido e depois o candidato, mas isso não é explícito para ele. O seu voto define, primeiro, quantas cadeiras cada partido vai ter, e depois essa lista é ordenada pela votação de cada candidato. Queremos que isso se torne mais transparente para o eleitor que, no primeiro turno, votaria no partido e, no segundo, no candidato da sua preferência, levando em conta critérios como o da composição paritária por gênero.
Comentando a advertência feita por Céli Pinto sobre o risco de querer aprovar propostas hoje por meio de plebiscitos, referendos ou de uma Constituinte Exclusiva, Mauri Cruz defendeu que a democracia deve ser tomada pela esquerda como um valor estratégico e não meramente tático, mesmo que isso implique a aprovação de propostas comas quais não concorda. “Nós elegemos Collor e Fernando Henrique Cardoso duas vezes, mas depois elegemos o Lula”, assinalou. A professora da UFRGS observou, por sua vez, que na eleição de Collor não havia tantos direitos e conquistas ameaçadas como agora. “Hoje temos muitas conquistas a defender e estamos muito ameaçados. Por isso tenho uma posição menos otimista em relação a propostas como plebiscito e Constituinte”.