Tradução: Aline Freixo. Revisão: Gustavo Rocha
Tasso Azevedo é ambientalista brasileiro especializado na preservação das florestas e importante ativista na área da sustentabilidade. Seu trabalho ajudou na redução de 75% observada na taxa de deflorestação da Amazônia brasileira, e inspirou esforços similares em vários outros lugares do mundo. Mais informação: tassoazevedo.blogspot.com
É fundador da ong Imaflora, em 1995, uma importante entidade de certificação ambiental no Brasil. Em 2003, foi indicado como primeiro diretor geral do Serviço Florestal Brasileiro. Nessa função, ele mostrou como a saúde da floresta amazônica está diretamente conectada à estabilidade econômica no país, bem como à questão da geração de energia. Implementou também novos padrões de incentivos para a sustentabilidade florestal. Estas medidas, segundo os especialistas, contribuíram para a redução, no Brasil, da taxa de deflorestação e das emissões de gás de efeito estufa. Hoje, Tasso Azevedo foca a sua atenção nas questões ligadas às mudanças climáticas em nível global.
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Tradução integral da palestra “Salvar as florestas”, de Tasso Azevedo:
Quando os portugueses chegaram à América Latina, há cerca de 500 anos, eles se depararam com uma incrível floresta tropical. E entre toda essa biodiversidade jamais vista, encontraram uma espécie que rapidamente chamou sua atenção. Quando cortamos a casca dessa espécie, vemos uma resina vermelha escura, que era muito boa para pintar e tingir tecidos para fazer roupas. Os indígenas chamavam essa espécie de pau-brasil, e é por isso que esta terra se tornou a "terra do Brasil" e, mais tarde, Brasil. Este é o único país do mundo que tem o nome de uma árvore. Então, vocês imaginam que é muito legal viver na floresta no Brasil, entre outros motivos.
Os produtos da floresta estão em todo lugar. Além de todos esses produtos, a floresta também é muito importante para a regulação do clima. No Brasil, quase 70% da evaporação que gera as chuvas vêm das florestas. Só a Amazônia bombeia para a atmosfera 20 bilhões de toneladas de água todo dia. Isso é mais do que o rio Amazonas, o maior rio do mundo, despeja no mar por dia, que são 17 bilhões de toneladas. Se tivéssemos que ferver água para ter o mesmo efeito da evapotranspiração, precisaríamos de seis meses de toda capacidade de geração de energia do mundo. É um grande serviço que ela nos presta.
O mundo tem cerca de 4 bilhões de hectares de florestas. Isso é, mais ou menos, a área da China, EUA, Canadá e Brasil juntos em termos de tamanho, para se ter uma ideia. Três quartos dessa área estão na zona temperada, e apenas um quarto, nos trópicos, mas este um quarto, um bilhão de hectares, acomoda a maior parte da biodiversidade, além de algo muito importante: 50% da biomassa viva, o carbono. Há dois mil anos, tínhamos 6 bilhões de hectares de florestas – 50% mais do que temos hoje. Perdemos 2 bilhões de hectares nos últimos 2 mil anos. Mas, só nos últimos 100 anos, perdemos a metade disso. Isso se deu quando deixamos de desmatar as florestas temperadas para desmatar as florestas tropicais.
Pensem nisso: em 100 anos, nós perdemos a mesma quantidade de florestas nos trópicos que perdemos de florestas temperadas em 2 mil anos. Esta é a velocidade da destruição que estamos causando.
O Brasil é uma peça importante desse quebra-cabeça. Nós temos a segunda maior floresta do mundo, depois da Rússia. Significa que 12% de todas as florestas do mundo estão no Brasil, a maior parte na Amazônia. É a maior área de floresta que temos. É uma área muito vasta e ampla. Vejam que seria possível acomodar vários países europeus lá. Nós ainda temos 80% de área florestal coberta. Essa é a boa notícia. Mas perdemos 15% em apenas 30 anos. Se as coisas continuarem assim, muito em breve perderemos esta poderosa bomba de água que temos na Amazônia, que regula o nosso clima.
O desmatamento estava crescendo rapidamente e acelerando no final dos anos 90 e começo dos anos 2000. Vinte e sete mil quilômetros quadrados em apenas um ano. São 2,7 milhões de hectares. Quase metade da Costa Rica, todos os anos.
Naquele momento, entre 2003 e 2004, aconteceu de eu estar vindo trabalhar no governo. Junto com outros colegas de equipe do Departamento de Florestas Nacionais, fui designado para me unir a uma equipe formada para descobrir as causas do desmatamento e fazer um plano para combatê-lo a nível nacional, envolvendo governos locais, a sociedade civil, empresas, comunidades locais, em um esforço que pudesse confrontar essas causas.
Estabelecemos um plano composto de 144 ações em áreas diferentes. Agora, discorrerei sobre cada uma delas – não, apenas darei alguns exemplos do que fizemos nos anos seguintes. Primeiro, nós montamos um sistema junto com a agência espacial nacional que nos permitia ver de fato onde o desmatamento acontecia, quase em tempo real.
Atualmente, nós usamos o sistema DETER no Brasil, onde a cada mês, ou a cada dois meses, recebemos informações sobre onde o desmatamento acontece. Assim podemos agir no momento em que ele acontece. Toda a informação é totalmente transparente para que outros possam copiá-la em sistemas independentes. Isso nos permite, entre outras coisas, apreender 1,4 milhão de metros cúbicos de toras retiradas ilegalmente. Parte disso nós serramos e vendemos, e toda a renda vai para um fundo que ajuda projetos conservacionistas de comunidades locais como fundo dedicado.
Isso nos permitiu realizar uma grande operação para interromper a corrupção e outras atividades ilegais, o que acabou na prisão de 700 pessoas, incluindo muitos servidores públicos. Em seguida, fizemos a conexão de que as áreas que vinham realizando o desmatamento ilegal não receberiam qualquer crédito ou financiamento. E eliminamos isso junto aos bancos e fizemos a ligação com os usuários finais.
Dessa forma, os supermercados, abatedouros, etc., que compram produtos de áreas desmatadas ilegalmente também podem ser responsabilizados pelo desmatamento. Nós fizemos todas essas conexões para ajudar a reduzir o problema. Também trabalhamos muito em questões de posse de terras. Isso é importante para resolver conflitos. Cinquenta milhões de hectares de áreas protegidas foram criados, o que é uma área do tamanho da Espanha. E, desses, 8 milhões eram terras indígenas.
Agora começamos a ver os resultados. Nos últimos 10 anos, o desmatamento no Brasil caiu 75%.
Se compararmos com a média do desmatamento que tivemos na última década, significa que salvamos 8,7 milhões de hectares, que é o tamanho da Áustria. Mas, o mais importante é que isso evitou a emissão de 3 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera. É a maior contribuição para reduzir a emissão de gases do efeito estufa até hoje, como uma ação positiva. Pode-se pensar que com esses tipos de ações para reduzir, para eliminar o desmatamento, haveria algum impacto econômico, porque você elimina a atividade econômica local ou algo assim. Mas, é interessante notar que ocorre exatamente o oposto. No período em que tivemos o maior declínio do desmatamento, a economia cresceu, em média, o dobro da década anterior, quando a atividade estava crescendo. É uma boa lição para nós. Talvez não tenha ligação alguma, e foi algo que aprendemos com a redução do desmatamento.
É claro que tudo isso é muito bom e é uma baita conquista, e obviamente deveríamos estar muito orgulhosos. Mas, isso não chega nem perto do suficiente. Se pensarmos no desmatamento da Amazônia em 2013, que alcançou mais de meio milhão de hectares, o que significa que, a cada minuto, uma área do tamanho de dois estádios de futebol foi derrubada na Amazônia só no ano passado. Se contarmos o desmatamento que ocorre em outros biomas do Brasil, ainda estaremos falando da taxa de desmatamento mais alta no mundo. É como se fôssemos heróis da floresta, mas campeões do desmatamento ao mesmo tempo. Não podemos ficar satisfeitos, nem perto disso. Por isso, acredito que o próximo passo é lutar para reduzir a zero a perda de florestas no Brasil, e fazer disso uma meta para 2020. Esse é o nosso próximo passo.
Eu sempre tive interesse pela relação entre a mudança climática e as florestas. Primeiro, porque 15% das emissões de gases de efeito estufa vêm do desmatamento, sendo uma grande parte do problema. Mas as florestas também podem ser uma grande parte da solução, já que são a melhor maneira conhecida de depositar, capturar e armazenar o carbono. Existe outra relação entre o clima e as florestas que chamou minha atenção em 2008, e fez com que eu mudasse de carreira das florestas para trabalhar com mudança climática.
Fui visitar o Canadá, na Colúmbia Britânica, junto com os dirigentes dos serviços florestais de outros países com os quais temos um tipo de aliança, como Canadá, Rússia, Índia, China e EUA. Quando estávamos lá, ficamos sabendo desse besouro que está literalmente devorando as florestas do Canadá. O que vemos aqui, aquelas árvores marrons, elas estão todas mortas. São árvores mortas graças às larvas do besouro. O que acontece é que esse besouro é controlado pelo clima frio do inverno. Por muitos anos, eles não têm tido um clima frio o bastante para controlar a população desse besouro. E ele se tornou uma doença que está matando bilhões de árvores. Eu retornei com a ideia de que a floresta é, na verdade, uma das vítimas mais antigas e mais afetadas pela mudança climática.
Então pensei que, apesar do trabalho com meus colegas para realmente ajudar a eliminar o desmatamento, talvez perderemos a batalha para a mudança climática mais tarde, com enchentes, calor, incêndios e assim por diante. Decidi deixar o serviço florestal e começar a trabalhar diretamente na mudança climática; achar um jeito de pensar e entender o desafio, e seguir a partir daí.
O desafio da mudança climática é muito direto. A meta é muito clara. Queremos limitar o aumento da temperatura média do planeta a dois graus. Existem muitos motivos para isso. Não vou me aprofundar nisso agora. Mas, para alcançar esse limite de dois graus, que torna a nossa sobrevivência possível, o IPCC, ou Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, definiu que o nosso orçamento de emissões é de mil bilhões de toneladas de CO2, deste momento até o final do século. Se dividirmos isso pelo número de anos, teremos um orçamento médio de 11 bilhões de toneladas de CO2 por ano. Mas o que é uma tonelada de CO2? É, mais ou menos, o que um carro pequeno que percorre 20 quilômetros por dia emitirá em um ano. Ou um voo de ida de São Paulo para Johanesburgo ou para Londres. Ida e volta seriam duas toneladas. Onze bilhões de toneladas é o dobro disso.
As emissões atingem hoje 50 bilhões de toneladas, e estão crescendo. Esse número está crescendo, e talvez chegue a 61 em 2020. Precisamos reduzi-lo a 10 até 2050. Enquanto isso acontece, a população passará de 7 para 9 bilhões de pessoas; a economia crescerá de 60 trilhões de dólares em 2010 para 200 trilhões. O que precisamos fazer é ser muito mais eficientes, de maneira que possamos passar de sete toneladas de carbono per capita por pessoa, por ano, para algo em torno de uma tonelada. Será preciso escolher entre voar de avião ou ter um carro.
A grande pergunta é: será que somos capazes? Essa foi exatamente a mesma pergunta que ouvi quando estava desenvolvendo um plano para combater o desmatamento. É um problema tão grande, tão complexo. Será que podemos mesmo resolvê-lo? Eu acredito que sim. Pensem nisso: o desmatamento causou 60% das emissões de gases do efeito estufa no Brasil na última década. Hoje, está em pouco menos de 30%. No resto do mundo, 60% é energia. Se pudermos combater o problema da energia da mesma forma como combatemos o desmatamento, talvez tenhamos uma chance.
Existem cinco coisas que acho que devemos fazer. Primeiro, precisamos separar a ideia de desenvolvimento das emissões de carbono. Não precisamos eliminar todas as florestas para criar mais empregos, áreas agrícolas e economia. Foi o que comprovamos quando reduzimos o desmatamento. e a economia continuou a crescer. O mesmo poderia acontecer com o setor energético. Em segundo lugar, precisamos colocar os incentivos no lugar certo. Hoje, 500 bilhões de dólares por ano vão para subsídios de combustíveis fósseis. Por que não colocamos um preço no carbono e o transferimos para energias renováveis? Em terceiro lugar, precisamos calcular e tornar visível onde, quando e quem está emitindo gases do efeito estufa, para que tomemos medidas especificamente para cada uma dessas oportunidades. Quarto: precisamos avançar nas rotas do desenvolvimento, ou seja, não é preciso ter um telefone fixo antes de se conseguir um celular. Assim como não precisamos usar combustíveis fósseis para um bilhão de pessoas que não têm acesso à energia antes de recorrermos à energia limpa. Em quinto e último lugar, precisamos dividir a responsabilidade entre os governos, empresas e a sociedade civil. Existe trabalho para todo mundo, e todos precisam se envolver.
Para terminar, acredito que o futuro não está pré-determinado, para o qual não existe escapatória. Precisamos ter a coragem de alterar a rota, investir em algo novo, e pensar que realmente podemos mudar o rumo. Acho que estamos fazendo isso com o desmatamento no Brasil, e espero poder fazer o mesmo para mudanças climáticas no mundo.
Obrigado.