Assim como nos anos anteriores, as frases de protesto nas ruas de Porto Alegre não estavam apenas nos cartazes, como também nos corpos dos participantes; apesar de fazer mais frio neste domingo do que na marcha de 2013, com temperatura de cerca de 20 graus, meninas ficaram sem blusa, sem ou com sutiã, em protesto contra o abuso sexual e o machismo; “Isso não é um convite”, “respeita as mina”, “meu corpo é luta”, “vadia livre” eram algumas das coisas escritas nos peitos, costas, pernas e barrigas das manifestantes
28 de Abril de 2014 às 05:52
Débora Fogliatto
Sul 21 – Em protesto contra o machismo e a violência contra mulheres, a Marcha das Vadias de 2014 reuniu centenas em Porto Alegre. O ato, marcado para as 16h, saiu do Monumento ao Expedicionário do Parque da Redenção — local marcado para a concentração — poucos minutos depois disso. Durante o trajeto, a marcha foi ganhando mais apoiadores, mesmo com a divisão de trajetos que aconteceu já no início do ato.
Ao sair da Redenção, a marcha seguiu pela avenida João Pessoa, onde parte dos manifestantes foi para a avenida Venâncio Aires e a outra parte seguiu até a Ipiranga. A divisão aconteceu durante uma das reuniões de organização do evento, em que algumas meninas queriam ir até a Delegacia da Mulher e outras se opuseram.
Durante a marcha, um bloco de meninas negras, organizado pelo Coletivo Negração, realizou intervenções em protesto contra o racismo e a violência contra a periferia e mulheres negras. “Minha mãe não é nossa Senhora, mas sim Iemanjá. Meu herói não é princesa Isabel, mas sim Zumbi”, falava uma delas ao megafone, no meio de um círculo formado por cerca de outras quinze meninas, que entoavam “Cláudia Ferreira resiste”, se referindo a mulher negra e pobre que foi morta ao levar um tiro e ser arrastada pela Polícia Militar do Rio de Janeiro.
Assim como nos anos anteriores, as frases de protesto não estavam apenas nos cartazes, como também nos corpos dos participantes. Apesar de fazer mais frio neste domingo do que na marcha de 2013, com temperatura de cerca de 20 graus, meninas ficaram sem blusa, sem ou com sutiã, em protesto contra o abuso sexual e o machismo. “Isso não é um convite”, “respeita as mina”, “meu corpo é luta”, “vadia livre” eram algumas das coisas escritas nos peitos, costas, pernas e barrigas das manifestantes.
Já nos cartazes, cabiam frases mais elaboradas, como “Isso não é sobre sexo, é sobre violência”, “Sou negra, sou menina, sou mulher, sou livre”, “Meu corpo, minhas regras”, Tirem seus rosários de nossos ovários”, entre muitas outras. Na frente da multidão, uma faixa demonstrando que ainda há muito pelo que se protestar guiava o grupo: “92 mulheres mortas pelo machismo em 2013″, número que era também estampado em um caixão roxo, carregado por quatro homens.
A maior parte do grupo seguiu até a Delegacia da Mulher, onde foi realizado um ato em protesto contra a violência. Além disso, as manifestantes leram uma carta aberta com as reivindicações, que foi distribuída antes do ato. Os itens incluíam melhores condições de atendimento na delegacia e programas preventivos contra a violência. Muitas meninas deitaram na rua, na Avenida Ipiranga — que ficou bloqueada por vários minutos — para demonstrar a violência que vitimiza as mulheres. Não foram registradas intervenções policiais em nenhum dos dois trajetos.
A marcha que foi para o Largo Zumbi
“Decidimos rachar por uma questão política, somos abolicionistas além de feministas. Sabemos que quem vai preso são sempre os homens negros, de periferia”, explicou Ciça Richter, uma das organizadoras que optou por não ir para a delegacia. “A gente decidiu não ir até lá porque a polícia nunca resolveu o problema das mulheres. Polícia e estado não nos representam”, concluiu.
A parte que se “rachou” e seguiu pela Venâncio andou pela Cidade Baixa, marcando com pichações no asfalto os lugares em que já foram registrados casos de machismo, racismo e homofobia. O primeiro foi o bar Caribe, na João Pessoa, onde há algumas semanas aconteceu a festa Selva, promovida pelo coletivo Sete/Nove, em que algumas meninas realizavam um escracho na frente do local e foram repreendidas de forma truculenta pelo proprietário do bar e um segurança. Em seguida, foi a vez do bar Opinião, na rua José do Patrocínio, onde há denúncias de assédio sexual e transfobia, e uma igreja, na rua Lima e Silva.
O local criticado mais fortemente foi o bar Pinguim, onde já foram registrados casos de homofobia. Entre os gritos de “Pinguim homofóbico”, manifestantes vaiavam o local, que já tinha fregueses por volta das 17h30min, e algumas meninas se beijaram, sendo aplaudidas pelo grupo. Algumas das participantes pegaram o tapete de entrada do bar, que em seguida foi recuperado por um funcionário do bar, só para ser pego de volta pelas meninas. O tapete então foi queimado, junto com alguns sutiãs, na avenida Loureiro da Silva, sob aplausos.
Durante esse trajeto, os participantes cantavam gritos de ordem relacionados à homofobia e transfobia, também fazendo alusão a outro racha entre os diversos feminismos. “Os gay, as bi, as trava e as sapatão, tão tudo organizado pra fazer revolução” era uma das músicas ouvidas, assim como “A nossa luta é todo dia, contra o machismo, racismo e a homofobia”. O trajeto foi concluído no largo Zumbi dos Palmares, onde algumas organizadoras explicaram o motivo da divisão e o coletivo Putinhas Aborteiras realizou uma performance musical.