A Arena do Grêmio e a prefeitura de Porto Alegre vêm sendo alvo de ações do Ministério Público. Na quarta-feira (23), a Promotoria de Justiça de Defesa do Meio Ambiente ajuizou duas ações civis, sendo que uma delas requereu uma liminar para suspender as licenças para a construção de prédios e demais edificações no entorno do estádio. Na semana passada, no dia 17, a Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público da cidade instaurou um inquérito para averiguar possível improbidade administrativa na obtenção do licenciamento ambiental para a construção do empreendimento.
A motivação para essas ações está ligada a um Termo de Compromisso firmado entre o município e a OAS, que transferiu obrigações que seriam da construtora para o poder público, o que acarretaria em prejuízos para a cidade. Entre as contrapartidas que o empreendedor deveria realizar, mas que acabaram sendo desoneradas, estão: duplicação da avenida Padre Leopoldo Brentano, a conexão da Rodovia do Parque com a rua Voluntários da Pátria, alça de acesso da Freeway até a rua Ernesto Neugebauer, construção de um túnel na avenida A.J. Renner e elaboração de terminal de ônibus e pontos de táxi.
Na outra ação civil ajuizada ontem o MP pede a suspensão da cláusula do Termo de Compromisso entre o município e a OAS, na qual a construtora se compromete em construir uma Unidade de Triagem para reciclar resíduos sólidos na cidade. Inicialmente, de acordo com o MP, os valores da compensação ambiental do investimento deveriam ser aplicados no Parque Estadual Delta do Jacuí.
As duas ações foram assinadas pelos Promotores de Justiça Carlos Roberto Lima Paganella, Alexandre Sikinowski Saltz, Ana Maria Moreira Marchesan e Annelise Monteiro Steigleder.
Nesta quinta-feira (24), a Smam publicou nota dizendo: “A Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam) esclarece que a Arena do Grêmio possui Licença de Operação válida até 2016. O restante do complexo possui apenas Licença Prévia. A construção de novas edificações depende da emissão de Licença de Instalação, que ainda não foi solicitada pelo empreendedor. Sobre as ações do MP, a Prefeitura se manifestará no processo judicial.”
Teria que haver uma razão muito forte para explicar a desoneração de obrigações da construtora, diz promotor
O inquérito para averiguar uma possível improbidade administrativa, instaurado na última quinta-feira (17), também foi fruto de representação encaminhada pela Promotoria de Justiça do MeioAmbiente. O promotor Nilson de Oliveira Rodrigues Filho, foi quem recebeu a representação e assinou o despacho. “Instalei o inquérito para verificar junto ao poder público se há uma razão e uma justa causa para ter assumido o ônus do empreendedor. A princípio, a função assumida pelo poder público não é legal. Teria que haver uma justificativa muito forte para que isso pudesse ter acontecido”, explica.
A administração municipal se manifestou sobre o caso, publicando uma nota que, entre outras coisas, diz: “a Prefeitura entende ser essa a postura que deve ser dotada com empreendimentos desse porte, relevância e grandiosidade e que agregam qualidade e mais projeção para a nossa cidade”. Rodrigues Filho, porém, afirma não ter considerado o pronunciamento. “A nota não esclarece nada. O motivo de que ‘traria benefício para a sociedade como um todo’ não é justificativa. As obras, ao serem realizadas pelo empreendedor, já trariam benefício para a comunidade. Não tem porque desonerar esse ônus. Até porque são obras mitigatórias de impacto ambiental”, ressalta ele.
O promotor afirmou que em caso de confirmação de irregularidade, a prefeitura pode admitir o erro e refazer o termo de compromisso que realizou com a OAS, exigindo que a construtora passe a ser responsável pela realização das obras no entorno do estádio. Segundo ele, caso isso não seja possível, a discussão terá de ser judicializada com o pedido de nulidade do termo de compromisso (o que já foi feito ontem pelo MP) e a condenação dos responsáveis pelo ato de improbidade administrativa.
Complexo obteve diversos benefícios do poder público
A vereadora Sofia Cavedon (PT), que acompanhou desde o princípio os debates sobre a construção do novo estádio gremista relembra os benefícios que a OAS recebeu do Estado e de Porto Alegre para construir o complexo. Conforme ela, os ganhos tiveram início com a viabilização do terreno do empreendimento, localizado no bairro Humaitá. Houve uma troca desse terreno por um da Zona Sul da cidade. Transição na qual a construtora saiu lucrando R$ 30 milhões, segundo a vereadora.
Cavedon recorda ainda que a Escola Estadual Oswaldo Vergara teve de ser retirada pela construtora com o compromisso de reconstruí-la em outro local. A construção da nova escola foi feita com mediação do governo municipal em uma área pública. “A OAS então recebeu outra área pública para construir a escola, cujo terreno ficou com ela, tendo um benefício extra”, aponta.
Além disso, a petista relembra que, antes do início das obras da Arena, deputados estaduais, a partir de uma emenda, elencaram contrapartidas que a construtora deveria realizar na comunidade, que compreendia soluções viárias e benefícios para a comunidade. Na época, porém, a então governadora Yeda Crusius (PSDB), transformou a emenda que era genérica, e determinou que as contrapartidas viriam somente da geração de impostos que empreendimento provocaria. Por fim, Sofia cita que posteriormente foi aprovado um Projeto de Lei que deu isenção de impostos de materiais de construção para a construção do complexo da Arena.
Procurada pela reportagem a Arena Empreendimentos não se manifestou sobre o assunto até o fechamento desta matéria.
Interesse público sai lesado, diz vereadora
Os prejuízos da ação da prefeitura para a cidade se mostram ainda mais acentuadas pelo fato da região ter grandes problemas de habitação e de infraestrutura. Ainda de acordo com a vereadora Sofia Cavedon (PT), há mais de 2 mil famílias no entorno que vivem em situação precária, sem água regular e esgotamento sanitário. “O interesse público sai lesado. Temos um gasto público desnecessário pela prefeitura que está indo buscar recursos para realizar essas obras em emendas federais e recursos próprios”, condena. Foram reservados cerca de R$ 80 milhões para as obras de circulação no entorno do estádio, segundo a petista.
No projeto de reforma administrativa do prefeito José Fortunati (PDT), aprovado na Câmara Municipal, foi criado o Escritório de Regulação Fundiária, que tem como objetivo melhorar o encaminhamento de construção de empreendimentos. A reforma determinou ainda a extinção da Secretaria Municipal de Planejamento (SPM). No seu lugar será criada a Secretaria do Urbanismo, que passará a incorporar na sua estrutura o controle de licenciamento e a fiscalização de edificações, que hoje são atribuições vinculadas à Secretaria Municipal de Obras e Viação (Smov). A Smov, por sua vez, passará a se focar na questão viária, de conservação e manutenção de vias públicas.
Para a vereadora todo esse processo pode agravar ainda mais possíveis problemas relacionados a licenças. “A prefeitura fragmentou ainda mais o processo de aprovação e fiscalização dos projetos. Com essa fragmentação não sei como vão conseguir fazer um trabalho articulado e sério. Para mim vai prejudicar e possibilitar mais licenciosidade e menos análise dos impactos que empreendimento causam para a população e para a cidade”, avalia.
Sobre a afirmação da prefeitura de que adota essa postura em função da ‘relevância e grandiosidade’ do empreendimento, ela diz: é uma opção clara de gestão que abre mão do interesse público e beneficia o sobrelucro. Fica muito suspeita essa afirmação da Prefeitura, quando o prefeito José Fortunati recebe R$ 550 mil de apoio em campanha”. sul/21