Dois meses não foram suficientes para dissipar as sombras que envolvem o estupro de um soldado de 19 anos dentro do quartel do Exército em Santa Maria, na região central do Rio Grande do Sul. Pelo contrário. Além da manutenção do segredo sobre o inquérito que corre na Justiça Militar, as autoridades também não comentam o assunto.
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Desde o dia 15 de julho, o Sul21 faz contato por telefone e e-mail com o Ministério da Defesa e a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, para ouvir um posicionamento sobre o caso, sem obter resposta. Em maio, a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário, declarou que o governo pressionaria para que o caso corresse na Justiça comum. “Trata-se de um crime comum, cuja responsabilização deveria se dar na Justiça comum”, afirmou a ministra na ocasião. A reportagem não obteve respostas sobre ações tomadas na pasta dos Direitos Humanos em relação ao caso. Da mesma forma, o santamariense Nelson Jobim, ministro da Defesa, também não retornou os pedidos de entrevista.
A investigação da Justiça Militar segue em sigilo. Prorrogado, o inquérito deve ser concluído após a divulgação do exame de lesões corporais feito pelo Instituto Médico Legal (IML) a pedido de advogados da família do soldado. Enquanto isso, as informações não saem da caserna: reiterados pedidos feitos pelos advogados do jovem teriam sido ignorados, e até mesmo vereadores e deputados ficam a ver navios quando pedem esclarecimentos.
“Querem fechar tudo”, diz vereador
O vereador Admir Pozzobom (PSDB), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Municipal de Santa Maria, diz ter solicitado, há quase dois meses, agenda com os responsáveis pelo inquérito militar. Está esperando até agora por uma resposta. “Estão tentando fechar (o acesso ao caso), mas não podemos aceitar isso, é nosso dever acompanhar”, ressalta o vereador. “Só que não podemos simplesmente invadir o quartel”. O pedido deve ser refeito a partir do dia 1º de agosto, quando serão retomadas as atividades da Câmara.
O soldado de 19 anos teria sido abusado sexualmente por outros quatro colegas na noite do dia 17 de maio deste ano, enquanto cumpria pena administrativa no Parque Regional de Manutenção de Santa Maria. A agressão teria acontecido dentro do alojamento, sem que nenhum dos outros soldados viesse em seu auxílio. O jovem ficou internado durante os oito dias seguintes no Hospital de Guarnição do município – em segredo e incomunicável, segundo familiares e advogados da vítima.
As únicas informações disponíveis sobre a investigação dos militares estão no relatório feito pelo deputado estadual Jeferson Fernandes (PT) após uma visita a Santa Maria. Apresentado à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, o relatório descreve conversas do parlamentar com militares, familiares e a própria vítima, afirmando que o inquérito militar tende a concluir que a violência não teria passado de uma “brincadeira” entre colegas.
Em entrevista ao Sul21, Jeferson Fernandes revelou que os militares não parecem ter ficado felizes com o texto apresentado na Assembleia. “A impressão é de que eles vêem as referências ao caso como tentativas de atingir o Exército brasileiro”, afirma. “Mas é claro que não é esse o nosso objetivo. Nossa posição é de apontar a negligência dos superiores desse jovem, tanto na condução das perícias quanto em prestar acompanhamento psicológico depois da agressão”. Segundo o deputado, o Ministério Público Federal acompanha o caso.
Investigação não cabe apenas aos militares
A coordenadora de organização do Movimento Nacional dos Direitos Humanos (MNDH), Cynthia Pinto da Luz, estranha o segredo que cobre a investigação da Justiça Militar, mas também critica a falta de cobranças mais enérgicas sobre o Exército. Segundo ela, o caso não só pode, como deve correr paralelamente na Justiça comum. “Não é uma investigação que caiba apenas aos militares, mesmo que a violência tenha acontecido dentro do quartel”, acentua.
Cynthia exemplifica com o recente caso envolvendo 429 bombeiros presos após um protesto por melhores salários. Todos foram libertados por um habeas corpus concedido pela Justiça comum, independente das decisões do tribunal militar. “Especialmente no Rio Grande do Sul, que tem uma Justiça bastante progressista, isso não pode ser conduzido em segredo. Essas pessoas precisam ser julgadas e, se for o caso, punidas nas duas justiças”, defende.